sábado, 4 de agosto de 2007



A questão preciosa da Verdade ..... 24/12/2006 09:50

Vou postar de novo extraido do meu anterior flog, o que escrevi sobre a Verdade.

Resolvi atender ao pedido do meu primo Tadeu que me desafiou à escrever sobre o que a VERDADE para mim significa.Propus-me então concretizar imediatamente este seu bem difícil,reconheço,pedido.
Meditei harmonizei-me com o Cosmos e invoquei inspiração ao meu anjo pessoal e ao Pai.

Nunka me furtei à escrever sobre temas abstratos,por mais difíceis que eles fossem...

Ainda mais daquele tão lindo –discorrer sobre a Verdade....

fui dotado de uma vívida inteligência e mais uma vez iria me valer dela à serviço da Cultura Humana.

O resultado fikou tão intenso e profundo,em tudo universal,passível de ser plenamente apreciado tanto por um erudito e agnóstico filósofo grego da academia há 2.400 anos atrás quanto por bisnetos dos nossos netos daqui há vários séculos à frente...

Portanto faço à ele um presente indistinto à todos aqueles q o puderem ler,
conhece-lo e deixar calar fundo em si a substância de ensinamento e reflexão q ele tão ressoa...
fikou muito bonito e eloqüente....
Obrigado meu anjo e protetores espirituais de Luz...

Obrigado Rafael,obrigado meu primo Tadeu....Com krinho....Yan Ayrton....

Título:Uma contribuição à Verdade.
Autor:Yan Ayrton

Para Rafael Tupynambá D. e
Judas Tadeu.

Nesta etapa plena da vida
Chego à uma solar conclusão
Para a Verdade não hà medida
E sequer perfeita definição!

Bem pensei que nos múltiplos,
filosóficos e densos livros
nos quais tão me debrucei,
Após muito devotado peregrinar,
Garimpar,prescrutar e buscar

Neles não encontrei,
e sequer deparei,
agora bem o sei
com a captura analítica
perfeita e extensa dela...

Imensa ela parece
infensa à isso

Resolvi desistir da sofisticada razão
E afinal num iluminado vislumbre final
fui buscá-la e finalmente achá-la
Nas dimensões vastas infindas
Lindas,absolutas e mágicas
de um limpo coração!!!

E assim
- em curta proposição -
pude enfim encontrar
Para a Verdade uma sintética
Feliz,acurada definição,

( precisa,elegante e singular : )

É ela a realidade intrínseca
Subjacente em tudo que vive e existe
E subsiste em glória.

É ela o repouso do equilíbrio,
A mais fecunda harmonia,
A mais solar claridade!

Poderosa ela acaba por triunfar
Em todas as eras e milênios
Trazendo de novo lucidez e sensatez
Nos eons cósmicos do eterno Tempo

Desmontando e ridicularizando
Pertinazes embustes,
por mais sofisticados que o fossem
na sua arquitetura de construção
em ultra sagaz,doentia,pérfida
elaboração pelos entusiastas do Mal.

A Verdade os desnuda no seu âmago
de trágico equivoco de opção no Universo
O Mal como inconsciência do Bem.

Estão por aí bem trágicos
No escuro coletivo passado humano
Os escravismos e racismos,
As torpes inquisições,
os nazismos , stalinismos,
e maoísmos
os militarismos selvagens,

os ateismos hedonistas vazios,
os cultos delirantes à personalidades,

o vasto e nefasto sistema financeiro cosmopolita,
tão ambicioso,internacional e venal :
à comprar consciências e poderes,
em tantos compatíveis seres...

Fulgurante no mais Além
A Verdade evoca e convoca
Coerência,Claridade,Profundidade,
Densidade,Mansidão,Imensidão

E Oportunidade
De buscar o Absoluto Ser :O Alfa e o Omega
O genial Criador final e integral
De tudo o q existe e subsiste :

–Dos quarks,dos fótons às galáxias,
À energia humana do amor,
A Essência Primeira Altaneira
Seminal e primordial em nós!!!

Esse alento é o meu sustento
Sempre acalentei comigo a esperança
De com ela revestir e persistir
O meu ser em evolutiva viagem

À ela me ancorei no mais puro
Entregar-me em sentimento
Vida após vida –Verdade és minha bússola

Minha energia,minha força
,minha pujança!!!
Vós sois o castelo de integridade
Vós doais o libelo,a tonalidade
E a finalidade
do Processo Pleno em sucesso da Libertação!!!

Sua essência em nós
Nos purifica e credencia
À DECISIVA SABEDORIA
QUE INCORPORA
TUDO EM TUDO
E NÓS
NO INTRA EXISTIR DO PAI !

: Metafórica e magnificamente
Disse-nos o filho Jesus :
“Eu sou o Caminho, A VERDADE
E a Vida
–Vinde à mim e suavidade
alcançarás e achareis em sua cruz !"

As forças do mal
Aquele primeiro anjo decaído
Criador e Pai da Mentira
Todo o poder reúnem

( ... E tudo operosamente,
astuciosamente,
Solertemente ,persistentemente
e invisivelmente
fazem para em verdade
enganar-nos,
a mim à vc, à todos....)

Tendo sagaz e voraz
sempre em mira
Nosso mal na Eternidade!!!

O único antídoto à isso –Decaimento e humano,
Insuportável sofrimento

–É buscar em cada ser e cada coisa
SEMPRE A VERDADE :
Perceber, prenunciar
a travestida Insinuada maldade
Ornada de atributo oposto

Para nos confundir
E nos infundir pesado melhor desgosto!!!

Na dialética das forças eternas
Bem eu já aprendi,
do jeito perfeito
Em vidas de dor,ingenuidade e erro :
Nela Não há relativismo!!!

A Verdade eis o motivo
Deste poético ensaio ter eu criado
Como um magno presente em lealdade
À minha irmã humanidade
A Verdade eu o digo
Em meu tom o mais altivo

Eu proclamo resoluto:
“ Nada no PaiEterno é relativo
TUDO NELE É ABSOLUTO “

E sempre estarão e se postarão
Em luto de sua vida e evolução
Todos aqueles e aquelas
Que da luminosa verdade se dispensarão
Crendo que a infinita falsidade
Possa ser a sua luz.

Tal supremo desatino
Para todo o sempre os conduz
Ao divórcio da sua real Essência
E por mais que na aparência
Queiram ser anjos de luz
As trevas deles se valem
A elas tão iluminarem
Com a sua doentia,patética claridade

.Atores e autores deste drama prometéico
e literalmente dantesco
pq algum dia fatídico no Cosmo
preferiram eles e elas
ABOMINAR TODA A VERDADE!

Para ser e expressar a Verdade em si
Jamais goste de mentir
Aprenda por Atemporal Sabedoria
Não saber o que é fingir!!!

Se com tudo isso te ajudar
Eu ainda não pude
O meu persistente e ingente esforço
Ante tal desafio de tal magnitude
A dificuldade não me ilude-
O construir da Verdade eu não distorço
Qro ver brilhá-la em ttos e ttas !

Pois bem sei que o Pai
Me fez seu instrumento
Imbuiu-me de
Solidário,intenso sentimento
De procurar traduzir
A Sua Excelsa Verdade
Para a candente realidade
Dos que na senda tão estão
À MUITO SE LAPIDAREM

PARA ÍNTEGROS A EXPRESSAREM
TORNANDO O PROJETO HUMANO
MERECEDOR DE QUEM O CRIOU

ZELANDO E VELANDO POR ELE
E SE REVELANDO
NA VERDADE FINAL DE CADA UM DE NÓS. Adonai YANayrton.

PS:Leiam meditativamente,com vagar....
há uma energia espiritual poderosa subjacente
à impregnar integridade e serenidade
em quem nela deixar-se habitar e se modifikar....Yan Ayrton

A verdade, quando impedida de marchar, refugia-se no coração dos homens íntegros,dignos e vai ganhando em profundidade o que parece perder em superfície... Um dia, essa verdade obscura, sobe das profundidades onde se exilara e surge tão forte claridade, que rasga as trevas do Mundo.Yan Ayrton

(24/12 11:19) yan ayrton: ...para mim Natal é sentir-se uno com essa criança cósmica que altruisticamente habitou um corpo frágil de carne para ente nós exemplificar com ele a verdadeira vida superior e muito nos ensinar...
celebramos o Natal à kda e todo dia que procuramos agir na essência,consciencia e no amor Dele..è portanto um estado de ser e não um dia isolado no calendário...
festejar o Natal é tê-lo e mantê-lo em nós :essa criança avatar divina do Pai...
Sua genialidade é atemporal e linda como o Universo no qual ilumina e fulgura..
.Este é o Natal...Bjos na alma à todos e todas vcs....YAN Ay

Um belo poema: humancat.com/DeVerdade/amor_de_verdade.htm


O Tempo eleva a Verdade dentre a Disputa e a Inveja.

Nicolas Poussin, 1640-2 Musée du Louvre, Paris



Uma verdade inconveniente 21.10.2006


Lançado em fevereiro passado no Festival Sundance

e celebrado como uma obra cult no último Festival de Cinema de Cannes,

o filme “Uma Verdade Inconveniente”

já foi visto por milhões de pessoas, principalmente nos Estados Unidos.

Protagonizado por Al Gore, o filme é uma severa advertência para a Humanidade sobre a responsabilidade do Homem nas mudanças climáticas.

É um documentário ambientalista e, por isso mesmo, político.

As imagens, chocantes, mostram as atuais alterações que o nosso Planeta está experimentando e elas são, também, a evidência da irresponsabilidade dos políticos que se negam a reconhecer a urgência de tocar no assunto e o pouco tempo que resta para evitar a catástrofe total.

No início é um plácido rio. Assim começa o filme “Uma Verdade Inconveniente”.

São as imagens de um rio cujas mansas águas deslizam despreocupadamente na alegria de uma estação primaveril, com um estilo de narrativa digno do classicismo dos melhores westerns. A realidade mostrada é um bucólico mundo inspirado na visão pastoril do mundo de Virgílio,

que depois migra para uma legião de referências que são parte inalienável da cultura estadunidense, desde Whitman até Bradbury, na ficção, e culmina na bíblia ambientalista “Primavera Silenciosa”, o documento-denúncia de Rachel Carson, na não-ficção.

Isso tudo está intrinsecamente presente no documentário “Uma Verdade Inconveniente”. O filme, protagonizado por Al Gore e dirigido por Davis Guggenheim, ao contrário dos de Michael Moore, não retrata a verdade do passado recente, mas a verdade do futuro imediato.

Em 2008, Al Gore fará 60 anos, quarenta deles dedicados à ecologia. A Humanidade estará no linde dos 8 bilhões de pessoas e as mudanças climáticas terão avançado de tal forma que será irreversível a catástrofe há tempos anunciada pelos cientistas de todo o mundo.

Mesmo que existam influentes vozes contrárias, como a do ambientalista de “direita” Bjorn Lomborg, ou a do romancista Michael Crichton, autor de “O Estado do Medo”, livro que faz parte das leituras prediletas de George W. Bush, “Uma Verdade Inconveniente”, pelo caminho contrário ao da ficção e das especulações, é uma denúncia feroz da insensatez do “homem viciado em petróleo” – segundo as palavras de Bush – e do estilo de vida do homem consumista, fundamento do desenvolvimento dos países mais industrializados. Em “O Ambientalista Cético”, Lomborg sustenta a teoria de que as mudanças climáticas globais é uma invenção de um grupo de cientistas mal informados e de ecologistas catastrofistas. Em “O Estado do Medo”,

Crichton imagina uma trama na qual uma sociedade secreta de guerrilheiros ecologistas planeja um atentado ambiental que é abortado por outro ambientalista “racional e equilibrado” surgido do Silicon Valley, no qual se pode entrever o rosto de Gordon Moore, presidente da Intel e ambientalista-filantropo da Conservation International, proprietário de um bom pedaço do Pantanal Mato-grossense. Segundo o escritor Fred Barnes, no livro “Rebel in Chef”, Bush e Crichton, falaram o ano passado “durante uma hora na Casa Branca e no fim concluíram estarem completamente de acordo sobre a mínima responsabilidade humana no agravamento do efeito estufa”.

A data coincide com a negativa final do presidente em assinar o Protocolo de Kyoto justificando que “seria danoso para a economia dos EUA”.

Depois de ter perdido a eleição presidencial do ano 2000 - mesmo tendo vencido no voto popular-, e após ter sido defenestrado pelo seu próprio partido,

Al Gore retirou-se para sua fazenda no estado do Tennessee para repensar a vida.

Foi ali, olhando o rio que corre ao longo de sua fazenda, um rio similar àquele que desce mansamente no início de “Uma Verdade Inconveniente” que decidiu assumir definitivamente a sua condição de ambientalista; uma filosofia de vida que começou quando era um universitário contestador na Universidade de Vanderbilt, em Nashville, pátria da country music.Ao avaliar profundamente o rumo que daria à sua vida de “feijão verde” – como Bush costuma apelidá-lo – nesse segundo retiro espiritual à semelhança de um lama, decidiu se dedicar integralmente a esclarecer aos seus compatriotas, e ao resto do mundo, que o principal problema que a Humanidade enfrenta hoje é a mudança climática. A viradaDa mesma forma que Sidarta, Al Gore iniciou a longa viagem para o conhecimento, principalmente em auditórios universitários, como anos antes já o tinha feito no Congresso dos EUA, quando era Senador na década de 70, convencendo seus pares sobre o perigo do aumento do buraco da Camada Ozônio, que culminou, felizmente, na assinatura do Protocolo de Montreal. Naquela ocasião o inimigo principal era Bush-pai, que o apelidara de “Homem-Ozônio”. Por causa da veemência das suas palavras no Congresso, os republicanos costumavam dizer que Gore injetava lítio nas veias para ficar tão aceso.Naquela época, também foi ridicularizado por sua campanha em favor de universalizar a internet. Para os “geeks”, os fanáticos por informática do Silicon Valley, Gore é o verdadeiro “inventor” da internet e entre seus admiradores se encontram os articulistas da própria Wired. É bom lembrar que hoje Al Gore é consultor especial de Steve Jobs, fundador da Apple. Além disso, recentemente foi chamado por Larry Page e Eric Schmidt para fazer parte do conselho consultivo do Google e, por incrível que pareça, Jerry Yang, dono do Yahoo, decidiu fazer o mesmo. No campo das comunicações, Al Gore possui em São Francisco um canal de televisão interativo denominado “Current TV”, cuja programação está voltada para as questões ambientais, para a análise política e para as tecnologias de ponta, sejam elas na informática ou nas fontes de energia renováveis.Anos antes, trabalhando no seu primeiro livro, “Earth in the balance”, lançado em junho de 1992, viajou ao Mar de Aral quando já não era mais o quarto maior mar interior do mundo, e sim um deserto onde repousavam as carcaças de centenas de barcos que um dia saíram à pesca. Al Gore escreveu: “Enquanto um camelo caminhava pelo fundo morto de Mar de Aral, me pus a pensar na insólita situação daqueles barcos no deserto. Onde deveria haver ondas azuis esverdeadas batendo contra o casco, só havia areia quente estendendo-se até onde a vista alcançava”. Tal como Virgílio, Al Gore sentiu que tinha descendido ao Inferno. Teve então a convicção de que a sua missão seria a luta ambiental e, durante a sua participação na RIO 92, propôs a implementação de um “Plano Marshall Global” para prevenir os desastres que se avistavam no horizonte.Avalizado por sua experiência de ambientalista herdeiro de John Muir, o fundador do Sierra Club e ativo admirador das batalhas anti-nucleares do Greenpeace original, aquele fundado pelos idealistas Jim e Marie Bohlen, Irving e Dorothy Stowe, Paul Cote e Robert Hunter, Al Gore deixou de lado a sua frustração de ter sido “o ex-próximo presidente dos EUA” e partiu para a batalha contra as mudanças climáticas. Foi assim, com toda essa bagagem, que decidiu fazer palestras ao longo dos EUA conscientizando a população, principalmente universitária, sobre este grave problema planetário. Um fator decisivo foi a devastação de Nova Orleans pelo furacão Katrina, que além do impacto climático, revelou uma nação paralela vivendo com um estilo de vida até então desconhecido pelos estadunidenses. A miséria social revelou-se a maior tragédia provocada por uma política oficial que se nega a admitir a importância do Protocolo de Kyoto.Com apoio da melhor tecnologia da Apple, combinando humor, desenhos animados e tabelas com comprovados dados científicos, optou por uma apresentação multimídia mediante a qual ele explica à platéia as graves conseqüências que o aquecimento global está causando no nosso Planeta. Gore já fez sua apresentação mais de mil vezes em auditórios de escolas e salas de conferência de hotéis em cidades grandes e pequenas. Agora se apresentou em São Paulo com uma versão ligeiramente mais atualizada da que é apresentada no filme.Numa dessas palestras, o produtor Lawrence Bender (dos filmes “A Mexicana”, “Pulp Fiction”, “Anna e o Rei”, “Cães de Aluguel”, “Kill Bill”) teve a certeza de que as apresentações de Gore eram matéria-prima para um documentário e, por ser ao mesmo tempo uma palestra emocionante, ele pensou que deveria ser transmitida numa escala nacional. A recente experiência de sucessos extraordinários com documentários como os de Michel Moore animou ainda mais Bender. Davis Guggenheim foi convidado para assumir a direção do roteiro de Scott Z. Burns, com produção executiva de Jeff Skoll, especialista em filmes políticos como “Syriana” e “Boa Noite, Boa Sorte”. Lançado em fevereiro último no famoso Festival de Sundance criado por Robert Redford, o filme mereceu grandes elogios de parte da crítica estadunidense, mas a consagração foi em maio último no Festival de Cannes, onde ele virou uma verdadeira estrela hollywoodiana. Selecionado “Hors Compétition”. Nessa ocasião, Al Gore fez a seguinte declaração: “Na língua chinesa, a palavra ‘crise’ é representada par dois ideogramas: um deles significa ‘perigo’ e o outro ‘oportunidade’. Em inglês ou em francês [como também em português], a palavra ‘crise’ se entende somente sob o sentido do medo e não o da oportunidade que oferece uma crise. O que nos deve motivar é a oportunidade que nos oferece esta crise para desenvolver novas tecnologias”.Verdades são difíceis de ouvirO filme narra, em duas histórias paralelas, a vida de Al Gore e uma de suas palestras perante um público principalmente jovem. Al Gore fala de sua vida simultaneamente para Guggenheim e o público, revelando as surpreendentes e emocionantes etapas da sua vida pessoal. O diretor dá ênfase a três eventos-chave na vida do ex-vice-presidente que ajudaram a moldar seu envolvimento com o meio ambiente: o acidente de carro que quase tirou a vida de seu filho caçula; a morte de sua irmã com câncer de pulmão, levando em consideração que sua família tinha uma plantação de tabaco; e a derrota na campanha presidencial de 2000 contra George W. Bush. “A possibilidade de perder um filho foi uma experiência muito dolorosa que me ensinou muitas lições. Por exemplo, nunca havia compreendido até então que um dos segredos da condição humana é que o sofrimento une as pessoas. Aprendi que quando outras pessoas que experimentaram a dor que eu estava sentindo vinham até mim, acabávamos nos conectando, alma com alma, de uma forma transformadora e curadora. No final, percebi de uma maneira totalmente nova a possibilidade de perdermos a nossa preciosa Terra (ou, pelo menos, a sua condição de hábitat para os humanos) de um modo que nunca havia percebido antes, nem emocionalmente, nem espiritualmente”, disse Al Gore. Quanto ao título original do filme, “An Incovenient Truth”, ele explica: “Algumas verdades são difíceis de ouvir porque, se você realmente as ouvir, e entender que elas são realmente verdade, então você tem que mudar. E mudar pode ser muito inconveniente”.Concebido de forma inteligentíssima como uma metalinguagem, Al Gore subliminalmente associa as mudanças climáticas ao nazi-fascismo. Não de forma explícita, evidentemente, mas através das citações históricas com as quais ele tenta motivar as pessoas a tomarem uma atitude. Tanto nas suas palestras quanto nos seus discursos políticos, ele menciona reiteradamente Winston Churchill. O premier inglês advertia a seus concidadãos e ao mundo inteiro sobre os perigos do surgimento do nazismo que culminaria na Segunda Guerra Mundial. Ele sempre menciona essa história assim: “Quando a tempestade começava a se formar na Europa continental, Churchill emitiu diversos avisos sobre o que estava em jogo; ele afirmou que o governo que então estava no poder na Inglaterra não tinha a certeza de que a ameaça era real, que persistia num estranho paradoxo apenas decidido a ficar indeciso, resolvido a ser irresoluto, firme ao ser levado pela corrente, sólido na fluidez, todo-poderoso para ser impotente”. Finaliza a citação com estas palavras: “A era do adiamento, das meias-tintas, do expediente apaziguador e dilatório está prestes a terminar; em seu lugar, estamos entrando num período de conseqüências”. Nada mais claro para se referir ao governo Bush e à sua teimosia em negar as evidências científicas da gravidade da situação provocada pelas mudanças climáticas. Um dos líderes políticos que aderiu à sua filosofia é Arnold Schwarzenegger, governador do estado da Califórnia, e mais uma estrela de Hollywood que se soma a Jane Fonda, George Clooney, Julia Roberts, Robert Redford, Peter Brosman, Sigourney Weaver, Sean Connery, Angelina Jolie, Leonardo DiCaprio, etc. na luta ambientalista. Ao constatar essa radical mudança de rumo na influente indústria cinematográfica, Gore disse recentemente: “Acredito que estejamos nos aproximando de um ponto de virada no qual o país começará a enfrentar seriamente o problema climático e a maioria dos políticos de ambos os partidos competirá entre si para apresentar soluções significativas. Ainda não estamos perto disso, mas um ponto de virada é por definição um momento de mudanças rápidas; penso que o potencial para esta mudança está crescendo, vemos artistas, vemos intelectuais, vemos pastores evangélicos manifestarem a sua opinião; a General Electric e os republicanos administradores de empresas dizerem que temos que tratar destas questões, assim como as organizações de base. Tudo isso está acontecendo ao mesmo tempo porque, por caminhos diferentes, as pessoas estão vendo uma nova realidade. A relação entre a nossa civilização e a Terra transformou-se radicalmente”.“Uma Verdade Inconveniente” é o primeiro depoimento franco e aberto de um dos protagonistas da política mundial das duas últimas décadas a reconhecer a possibilidade da autodestruição do Planeta. Mesmo que o caminho tivesse sido aberto por Mikhail Gorbatchov, que também está dedicando a sua vida ao meio ambiente, principalmente às questões relativas à geopolítica dos recursos hídricos na Cruz Verde Internacional, foi o ativismo de Al Gore que abriu o caminho para que a luta ambiental se instalasse dentro do próprio Congresso dos EUA. Atualmente, nos mais altos estamentos políticos, já se questiona abertamente o modo de vida das sociedades industrializadas. Com um jeito ainda tímido, em seus discursos no G-8, Tony Blair reconhece que o principal problema da humanidade hoje já não é mais o terrorismo islâmico, nem Bin Laden e sua Al Qaeda, mas o efeito estufa. De forma clara e bastante didática no filme, Al Gore transmite aos indecisos a certeza de que caminhamos para um final apocalíptico. Sem dramatizar com palavras, o que ele mostra são as imagens. O Monte Kilimanjaro 20 anos antes com todo o esplendor do seu cone nevado e hoje, sem neve, sem vida. As geleiras da Antártica que se desmoronam em pedaços gigantescos para se desmancharem nas águas oceânicas levando ao inevitável aumento do nível do mar. É mais do que certo que nas próximas duas décadas milhões de pessoas virarão refugiados ambientais; que as águas farão desaparecer não somente Nova Iorque como grande parte dos Países Baixos e que as defesas construídas contra essa ameaça pelo governo holandês de nada servirão apesar de serem hoje as barreiras mais avançadas tecnologicamente; que Bangladesh, grande parte da Ásia, e todos os estados insulares do Pacífico Sul desaparecerão sob a água, definitivamente.No filme e nas suas palestras, Al Gore destrói com dados concretos os três grandes mitos existentes sobre o aquecimento global: • Sobre as dúvidas quanto à realidade do efeito estufa, ele confirma que milhares de estudos científicos provam que o aquecimento é real e que constitui uma séria ameaça para a vida no Planeta. • Sobre se as políticas ambientais afetam a economia dos países, ele demonstra com modelos econômicos de autorizadas personalidades do mundo que as políticas públicas baseadas num planejamento ambiental estimulam as economias dos países.• Que o aquecimento global não é somente um ciclo natural da Terra, mas o resultado das atividades humanas no campo industrial. As informações que fornece são exaustivas e definitivas. Um dado concreto é que quase todas as atividades industriais dependem do desflorestamento e da desidratação da Terra. Além do corte das árvores para produzir madeira industrializada e carvão vegetal, a construção de hidroelétricas para gerar energia elétrica com as suas indispensáveis barragens é responsável pela inundação de enormes áreas emissoras de gases de efeito estufa, reduzindo a camada atmosférica e aumentando o nível térmico mundial. Algumas das conseqüências do desflorestamento são a desertificação, as secas, as inundações e o incremento do número de furacões, tufões e outros tipos de tempestades de grande dimensão. O aquecimento atmosférico que derrete as calotas polares leva à dessalinização das águas oceânicas e a mudanças radicais nos ecossistemas e na capacidade imunológica de todos os seres vivos.Face a esse catastrófico cenário, Al Gore insiste em que “a solução para a crise climática global exige uma ação rápida, sábia e grande de nossa parte”. Na mensagem aos empresários, ele lembra que “se destruirmos o Planeta não haverá economia que sobreviva”. R. Capriles*[editor@oeco.com.br]E ataca frontalmente a causa principal: a cultura dos países industrializados concentrada no consumo, na ganância e na expansão dos negócios em níveis insustentáveis.

Todos esses conceitos os ambientalistas do mundo inteiro conhecem de longa data.

O inédito é que um político do mais alto nível executivo e legislativo da maior potência do mundo afirme, com todas as letras,

que é necessário mudar de vida para que o Planeta possa sobreviver. E assim, como se estivéssemos vendo quadros de Frederick Remington ou de John James Audubon, ele volta ao clima pastoril existente no início do filme, à beira do seu rio, depois de ter percorrido o Planeta e revelado ao mundo quão perto estamos do desastre e do fim da aventura humana.

Neste artigo, fazemos um apanhado geral de alguns desenvolvimentos técnicos que têm sido feitos nos últimos anos sobre a verdade pragmática, que também chamamos de quase-verdade. Tais desenvolvimentos se devem, especialmente, a N. C. A. da Costa, R. Chuaqui, I. Mikenberg e S. French.

Verdade pragmática. Jair Minoro Abe

Há, pelo menos, quatro teorias da verdade que se evidenciam de relevância para o filósofo que se ocupa da Teoria da Ciência:

1ª) a Teoria da Correspondência, particularmente na forma que lhe conferiu A. Tarski; ]

2ª) a Teoria da Coerência;

3ª) a Teoria Pragmática;

4ª) a Teoria da Eliminação da Verdade (ou definibilidade da verdade).

Sobre tais teorias o leitor pode consultar S. Haack (1980a e b), A. Tarski (1956 e 1944) e A. Grayling (1986).
Segundo a Teoria da Verdade como Correspondência, este conceito relaciona proposições, juízos ou sentenças a situações reais; e uma proposição, um juízo ou uma sentença é verdadeiro se, e somente se, reflete a realidade. Em outras palavras, uma proposição é verdadeira se ela corresponde à realidade, se o que ela afirma de fato é.
Aristóteles, no Livro I'da Metafísica, define a verdade da seguinte maneira: "Dizer daquilo que é, que é, e daquilo que não é, que não é, é verdadeiro; dizer daquilo que não é, que é, e daquilo que é, que não é, é falso". Na Idade Média, os Escolásticos afirmavam que a verdade é a adequação entre pensamento e realidade.
As definições anteriores são válidas e não podem servir de base para um tratamento lógico-matemático do conceito de verdade como correspondência. O grande mérito de Tarski foi o de ter desenvolvido uma formulação matematicamente tratável da Teoria da Correspondência. Com isso, ele revolucionou a Lógica e lançou as bases da Teoria Clássica de Modelos, uma das partes mais importantes da Lógica atual, não apenas relevante em si mesma, pelos seu notáveis resultados teóricos, como, também, pelas suas aplicações na Matemática, nas Ciências Empíricas e na Tecnologia.
A idéia central de Tarski foi a de considerar o conceito de verdade como consistindo numa relação entre sentenças de uma linguagem e a estrutura na qual esta linguagem está interpretada. Não há sentido falar de verdade ou de falsidade de uma sentença a não ser que se saiba exatamente a que linguagem essa sentença pertence e de que modo a linguagem está interpretada.
A definição de Tarski pressupõe que a linguagem de base possui uma estrutura bem definida, pois ela deve ser tratada do ponto de vista matemático. Por conseguinte, a definição de Tarski se aplica principalmente às linguagens artificiais, simbólicas, da Lógica e da Matemática.
Não podemos apresentar, aqui, mesmo de modo informal, a Teoria de Tarski, dado que é demasiadamente técnica. No entanto, como ela é a base da Lógica tradicional, pode ser encontrada em bons livros de Lógica, como os de Shoenfield (1967) e de Mendelson (1979). Conforme a linguagem estudada, a definição correspondente de verdade possui características peculiares.
No entanto, lembramos que o conceito de verdade, tal como Tarski o entende, deve satisfazer o que se chama esquema T, que, em um caso particular, é o seguinte:
T: "A neve é branca" é verdadeira se, e somente se, a neve é branca.
Em outras palavras, o esquema T, que a definição de verdade de Tarski satisfaz, garante que a relação é uma conexão entre linguagem e realidade (na Teoria Abstrata de Modelos é uma relação entre linguagens artificiais e certas estruturas matemáticas que se chamam modelos).
A Teoria da Coerência não considera a verdade como uma relação entre linguagem ou pensamento e realidade. Ao contrário, concebe a verdade como sendo uma propriedade eminentemente lingüística, de caráter sintático; vários autores, de uma maneira ou outra, defendem a Teoria da Coerência, tais como G. Hegel, B. Bosanquet, F. Bradley e H. Joachim bem como alguns dos membros do Círculo de Viena, tais como O. Neurath e H. Hahn.
Segundo os adeptos da Teoria da Coerência, não se pode comparar uma sentença à realidade, para sabermos se a sentença é verdadeira ou falsa. Com efeito, a realidade nos afeta e através de nossa experiência podemos testar uma sentença; porém, como nossa experiência, também, se reduz a sentenças de determinado tipo, segue-se que, afinal, só se pode comparar sentenças com certas sentenças. O cientista, enquanto tal, recebe um conjunto de sentenças que são aceitas como verdadeiras, que devem ser coerentes (não encerram contradições) e aspirar à maximalidade: isto é, o pesquisador sempre procura conjuntos coerentes maximais de sentenças. Sempre que uma parte de nosso sistema de. crenças não funciona bem, devemos procurar modificá-lo, comparando-se sentenças entre si, de modo a se obter um novo sistema que seja coerente e, se possível, maximal.
Assim, Neurath diz que somos como um marinheiro que, no meio do oceano, tem que reconstruir o próprio barco.
A Teoria da Coerência é extremamente interessante e hoje a Lógica e a Matemática possuem meios para tratá-la de uma forma conveniente. Porém, como nosso objetivo é o estudo da verdade pragmática, não ampliamos mais nossa exposição da verdade como coerência.
A Teoria da Eliminação da Verdade é a teoria cunhada por F. P. Ramsey, segundo a qual o conceito de verdade não apresenta aspectos teóricos de grande relevância, pois pode ser eliminado. Por exemplo, afirmar que "A neve é branca" é verdadeira, equivale, simplesmente a afirmar: A neve é branca.
A teoria de Ramsey foi muito desenvolvida nos últimos tempos, existindo filósofos e lingüistas que a têm aplicado nas mais variadas circunstâncias.
Finalmente, a Teoria Pragmática da Verdade é a que tratamos com algum pormenor neste trabalho, por se ter convertido numa das mais importantes concepções de verdade, com significativas aplicações à Lógica, à Matemática e à Filosofia da Ciência.

As concepções de Peirce, James e Dewey
A concepção pragmática da verdade se deve basicamente a C. S. Peirce, um dos grandes lógicos e filósofos do século passado e do começo deste, o criador do pragmatismo.
Peirce escreveu: "considere que efeitos práticos concebemos que o objeto de nossa concepção tem. Então, nossa concepção desses efeitos constitui o conteúdo total de nossa concepção desse objeto" (C. S. Peirce 1965, p. 31).
A afirmação de Peirce pode ser claramente interpretada como significando que a verdade pragmática de uma proposição depende de seus efeitos práticos, supondo-se, naturalmente, que esses efeitos sejam aceitos como verdadeiros, ou falsos, no sentido comum da palavra verdade.
Como se observa em Mikenberg, da Costa e Chuaqui (1986), esses efeitos podem ser formulados como certas proposições básicas e, portanto, uma asserção (hipótese ou teoria) pode ser tida como pragmaticamente verdadeira se suas conseqüências básicas são verdadeiras, no sentido da Teoria da Correspondência. Para eles, esta interpretação do dictum de Peirce constitui a essência da Teoria da Verdade de Peirce.
Assim, a verdade pragmática é fundada em suas conseqüências básicas ou efeitos práticos, e não se mostra completamente independente no sentido de correspondência com a realidade. Como afirmam da Costa e Chuaqui: "Ao contrário, um enunciado — em geral, um enunciado teórico — é pragmaticamente verdadeiro somente quando os enunciados básicos que ele implica são verdadeiros no sentido da Teoria da Correspondência da Verdade. Mas, ainda, uma asserção básica é verdadeira, do ponto de vista pragmático, se, e somente se, ela é verdadeira de acordo com a Teoria da Correspondência. Assim, a verdade pragmática não é inteiramente arbitrária" (Da Costa e Chuaqui, no prelo).
Acrescentam da Costa e Chuaqui: "Em geral, pode-se manter que em Ciência sempre obtemos verdade pragmática, embora a verdade pragmática assim obtida se aproxime da verdade" (no sentido da Teoria da Correspondência). Tal idéia pode ser tornada rigorosa por meio da nossa definição de verdade pragmática... E esta parece ser, também, a posição de Peirce. Por exemplo, ele afirma: "Diferentes pessoas podem começar com os mais antagônicos pontos de vista, mas o progresso da investigação acaba por levá-los, forçosamente, para fora de si mesmos, à única e mesma conclusão. Essa atividade do pensamento por meio da qual somos levados, não aonde desejamos, mas a uma finalidade pré-fixada, é semelhante à questão do destino. Nenhuma modificação do ponto de vista inicial, nenhuma mudança natural de postura, pode fazer com que um homem escape da crença predestinada. Esta grande esperança é englobada na concepção da verdade e da realidade" (Peirce 1965).
Os autores em questão desenvolvem as idéias anteriores da mesma forma que Tarski formalizou a Teoria Clássica da Correspondência. Antes, porém, de mostrarmos como se efetua isto, diremos alguma coisa sobre as concepções de James e de Dewey (consultar S. Haack 1974 e 1980).
James reformula a definição de Peirce, levando em conta, especialmente, questões não-científicas. Em particular, procura estabelecer uma Teoria da Verdade Pragmática que justifique as crenças religiosas. Falando-se sem rigor, a crença em Deus, por exemplo, seria pragmaticamente verdadeira se suas conseqüências, na vida de todos os dias, fossem interessantes, agradáveis e convenientes para a pessoa que crê.
Muitas vezes se sustenta que a teoria de James é muito menos rigorosa que a de Peirce e que carece de valor científico. Nossa opinião é diferente: embora a teoria de W. James divirja da de Peirce, e muitas de suas teses não tenham sido aceitas por Peirce, seria deveras interessante formalizarmos os aspectos mais salientes da posição de James no tocante à verdade.
Dewey sustentou uma Teoria da Verdade baseada na noção de assertabilidade garantida (warranted assertibility). Do ponto de vista atual, utilizando-se não apenas recursos lógicos e matemáticos usuais, como, também, métodos da Teoria dos Sistemas e do Cálculo de Probabilidade, talvez a teoria de Dewey pudesse ser matematizada.

Formalização da Teoria Pragmática da Verdade

Mikenberg, da Costa e Chuaqui nos apresentam, como já dissemos acima, uma matematização de uma concepção pragmática de verdade que eles denominaram de quase-verdade (cf. Mikenberg, da Costa e Chuaqui 1986). Embora não encarem sua definição como uma exegese da posição peirciana, o fato é que a definição dada por eles capta, sem dúvida alguma, aspectos relevantes e significativos da doutrina da verdade do pensador norte-americano.
Nossa finalidade agora é a de descrever, de modo sucinto e sem o simbolismo e as técnicas necessárias para sua formulação precisa, a definição de da Costa e Chuaqui. Porém, antes disso, seria interessante fazer um resumo geral do trabalho desses autores, que foi muito bem sumariado por J. Corcoran.
"Filosofias Pragmáticas enfatizam a prioridade da experiência e da ação sobre o ser e o pensamento. Oponentes do pragmatismo são algumas vezes chamados de 'intelectualistas'. Característica das Filosofias Pragmáticas é o fato delas manterem pontos de vista claros sobre três questões: (1) significado, (2) verdade e (3) conhecimento. Devido a extensas variações entre tais filosofias, é simplista considerar qualquer combinação destes pontos de vista como típica (veja A. O. Lovejoy, J. Philos. 5 (1908), nº 1, 5-12; ibid. 5 (1908), nº 2, 29-39). Todavia, a seguinte combinação pode ser tida como um exemplo. (1) O significado de uma proposição é identificado com seu significado experimental e prático, i.e., com a totalidade das experiências possíveis que ela prediz. (2) A verdade de uma proposição consiste na realização no decurso do tempo (passado, presente e futuro) de seu sentido. (3) A crença na verdade de uma proposição é garantida pelo grau com que ela tem sido testada na prática e se mostrado satisfatória (pela pessoa ou comunidade que possui a crença)."


A Teoria Pragmática da Natureza da Verdade (ponto de vista (2)) está intimamente relacionada com a Teoria Pragmática do Critério de Verdade (ponto de vista (3)), ainda que sempre é importante distinguir entre a Teoria da (a natureza da) Verdade e uma Teoria do Critério de Verdade. Esta distinção é familiar a matemáticos através dos trabalhos de Tarski, que enfatizou a correspondência como a natureza da verdade matemática e da provabilidade como o critério da verdade matemática. A demonstração de Tarski do teorema de Gödel explora esta distinção, notando que indefinibilidade aritmética da verdade aritmética (teorema da provabilidade aritmética), para implicar que verdade aritmética não é coextensiva com a provabilidade aritmética (A. Tarski, Logic, semantics, metamathematics, tradução inglesa, veja pp. 197-8, 246-54, Clarendon Press, Oxford, 1956; MR 17, 1171; segunda edição, Hackett, Indianapolis, Ind., 1983; MR 85e: 01065; Sci. Amer. 220, 1969, 63-77, especialmente pp. 69-77).


O artigo (Mikenberg, I., N. C. A. da Costa & R. Chuaqui, Pragmatic truth and approximation to truth, "The Journal of Symbolic Logic" 51,1986, pp. 201-221) propõe modificar a noção tarskiana, model-theoretic, de "uma sentença s é verdadeira em uma interpretação i"de modo que a noção resultante, matematicamente precisa, é fiel a uma das noções pragmáticas da verdade. De acordo com o artigo, o contexto completo para o uso apropriado das frases "pragmáticamente verdadeiro" e "pragmáticamente falso" vai além do contexto acima do uso apropriado, clássico, de "verdadeiro" e "falso" sob dois aspectos: (a) a interpretação i é parcial (não necessariamente total) e (b) existe relativização a um conjunto P de sentenças "estabelecidas". Em conseqüência, a noção a ser definida é expressa por "uma sentença s é pragmaticamente verdadeira em uma interpretação parcial i relativa a um conjunto P de sentenças". A condição necessária e suficiente proposta como definitiva é " s e as sentenças em P são simultaneamente satisfeitas por uma extensão total de i" . Grosso modo, de acordo com o artigo (p. 204), se uma sentença é pragmáticamente verdadeira, "ela salva as aparências".
Os autores constroem um sistema formal de dedução à la Gentzen para acompanhar as semânticas acima. Eles obtêm um teorema de completude e alguns outros resultados matemáticos, incluindo uma demonstração de um teorema sobre extensões de grupos semi-ordenados, que originalmente foi enunciado, sem demonstração, por Tarski em 1948. Há, também, aplicações ao problema em Filosofia da Ciência de explicar a idéia de uma teoria anterior ser uma "aproximação" de uma posterior, mais adequada.
O artigo não reivindica qualquer tentativa de erudição suficiente para mostrar que sua definição é fiel a uma idéia endossada por um filósofo pragmático. Seu objetivo definido é mostrar que idéias matematicamente rigorosas, refletindo o pensamento pragmático, possuem conseqüências matematicamente interessantes e construir uma extensão pragmática da Teoria Clássica de Modelos (J. Corcoran, MR 88c: 03006)".
Mikenberg, da Costa e Chuaqui, seguindo Tarski, sublinham que a definição de verdade pragmática ou de quase-verdade, como eles a conceberam, só pode ser feita com relação a uma determinada linguagem, interpretada em uma estrutura conveniente. Uma das grandes novidades dessa concepção reside no fato de que as estruturas nas quais a linguagem é interpretada não são estruturas totais, como no caso da teoria de Tarski, mas sim estruturas parciais.
Na Teoria Clássica de Verdade de Tarski, as linguagens são interpretadas em estruturas que, grosso modo, se compõem de um conjunto A, denominado universo da estrutura e de certo conjunto R de relações, envolvendo objetos de A. Essas relações são sempre definidas para todos os objetos de A: por exemplo, se tivermos uma relação binaria, em R, então, dados dois objetos x e y quaisquer de A, eles estão ou não ligados por essa relação. Na teoria de da Costa e Chuaqui isso não ocorre, pelas razões que passamos a expor: os objetos x e y de A podem estar ligados por uma relação de R, podem não estar ligados pela relação ou, finalmente, podem não estar definidos se eles não possuem a relação entre si.
A partir de estruturas parciais, como acabamos de descrever, e de conjuntos de sentenças básicas que expressam proposições de nossa experiência, verdadeiras ou falsas, de acordo com a Teoria da Correspondência, e de sentenças mais complexas, expressando proposições aceitas previamente, define-se o conceito de verdade pragmática de uma sentença por um processo parecido com o tarskiano e que se apoia no mesmo. O resultado, então, é o seguinte: uma sentença s é quase-verdadeira ou pragmaticamente verdadeira numa determinada região do conhecimento (ou numa estrutura) se tudo se passa nessa região (ou estrutura), como se s fosse verdadeira de acordo com a Teoria da Correspondência. Equivalentemente, uma sentença é quase-verdadeira num domínio se, e somente se, salvar as aparências desse domínio, ou seja, funciona.
A definição de quase-verdade generaliza a definição de Tarski e seus autores constroem uma teoria generalizada de modelos que encontrou várias aplicações em Lógica e em Matemática (cf. da Costa e Chuaqui (no prelo) e Mikenberg, da Costa e Chuaqui 1986).
O leitor facilmente percebe que a definição de quase-verdade satisfaz os principais requisitos a que uma definição de verdade pragmática parece condicionada. Especialmente notável é o fato de que a verdade pragmática é um processo de se salvar as aparências, quando não se conhece a verdade segundo a Teoria da Correspondência. Todavia, outras interpretações da Teoria da Quase-Verdade são possíveis, embora não tenhamos tempo para abordá-las aqui.

Algumas aplicações da quase-verdade
A quase-verdade, sobretudo em decorrência dos trabalhos de Mikenberg, da Costa e Chuaqui e French, encontrou variadas aplicações na Teoria da Ciência.
Chuaqui, da Costa e Mikenberg mostraram como a quase-verdade pode ser usada para se definir o conceito de aproximação à verdade de teorias científicas, verdade sendo usada aqui no sentido da Teoria da Correspondência. As noções formuladas têm um significado matemático intrínseco e podem ser aplicados, por exemplo, em Álgebra (Mikenberg, da Costa e Chuaqui 1986), etc.
Outras aplicações, devidas a S. French e N. C. A. da Costa, são as seguintes: a edificação de uma nova Lógica Indutiva (consultar da Costa em Erkenntnis e da Costa e French (no prelo)) à estruturação de uma nova Teoria Subjetiva de Probabilidade do realismo e do empiricismo (cf. French (no prelo)), etc.
Constata-se, portanto, que o conceito de quase-verdade não se mostra apenas importante por formalizar e precisar uma Teoria da Verdade como a pragmática, mas encontra numerosas aplicações nos mais variados domínios. Isto é sinal, segundo pensamos, de que a Teoria da Quase-Verdade se converterá numa das mais importantes teorias da Lógica atual (o surpreendente é que a quase-verdade acha-se correlacionada com a Lógica Paraconsistente (ver, por exemplo, da Costa 1989 e da Costa e Chuaqui (no prelo)).

Bibliografia
Esta bibliografia contém não apenas os artigos citados no texto, como também todos os artigos publicados ou em vias de publicação sobre o tema que conseguimos arrolar.

DA COSTA, N. C. A. 1989. Logic and pragmatic truth. In: __________. Logic, Methodology and Philosophy of Science VIII. Edited by J. E. Fenstand et al., Elsevier Science Publishers B. V. [ Links ]
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DA COSTA, N. C. A. & R. CHUAQUI. The logic of pragmatic truth, a aparecer. [ Links ]
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TARSKI, A. 1956. Der Wahrheitsbegriff in den formalisierten Sprachen, Studia Philosophica, 1, 1935, pp. 261-405. Traduzido para o inglês em Logic, Semantics, Metamaihematics. Oxford University Press. [ Links ]
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Jair Minoro Abe é bacharel e mestre em Matemática Pura pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP e doutorando em Lógica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Foi professor-visitante da Universidade de Shizuoka, no Japão, e atualmente é professor do IGCE-Unesp.

É, também, membro e coordenador do Grupo de Lógica e Teoria da Ciência do IEA/USP.
© 2007 Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo Av. Professor Luciano Gualberto, Trav. J - 37405508-900 São Paulo SP Brasil

Verdade e Consequência
A verdade é que o que fazes é consequência do que pensas. E o que pensas é consequência do que acreditas, do que te ensinam, do que aprendeste e do que ensinaste a ti próprio.A lição ainda não acabou. E aquilo que te ensinas hoje é consequência do que sonhas, do que queres, do que desejas.A verdade é que aprendes, que te ensinas a ti, cresces e melhoras todos os dias. E isso faz-te ficar mais próximo dos teus sonhos.A verdade é que a consequência dos teus sonhos é seres feliz, com cada um deles.Essa é a verdade, aceita a consequência. ( by Mário Rui Santos )

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

A minha família poética. III

Edgar Allan Poe

Sozinho [Alone] .

Desde a hora primeira não fui
Como os outros foram - não vi
Como os outros viram. - minhas paixões

Não pude beber a fonte comum.
Da mesma fonte não retirei
A minha dor; não pude despertar
O meu coração para a alegria de um mesmo tom,
E tudo o que amei, amei sozinho.
Então - na minha infância - no amanhecer
De uma vida tempestuosa - busquei
Das profundezas do bem e do mal
O mistério que ainda me domina:
Da torrente, ou da fontainha,
Do acre penhasco da montanha,
Do sol que ao meu redor gira
Num tom de ouro outonal,
Do relâmpago que no céu
Voando vejo passar,
Do trovão e da tempestade,
tE da nuvem que tomou a forma
(Quando azuis eram os Céus)
De um demónio aos olhos meus.

Edgar Allan Poe
Tradução se Sofia Sampaio

"E era outra a origem da tristeza. E era outro o canto que acordava, o coração para a alegria. Tudo o que amei, amei sozinho."Edgar Allan Poe

Edgar Allan Allan(1809-1849)

Escritor americano. Conhecido em todo o mundo

sobretudo por seus contos de mistério e terror.

O gênio visionário de Poe, poeta de amplos recursos e contista conhecido sobretudo por suas histórias de mistério e horror, constituiu uma fonte de inspiração direta para a renovação literária européia no final do século XIX.

Edgar Allan Poe nasceu em 19 de janeiro de 1809 em Boston, Massachusetts. Filho de um casal de atores, ficou órfão aos dois anos e foi adotado por John Allan, rico comerciante de Richmond, Virgínia. Entre 1815 e 1820, recebeu esmerada educação clássica na Escócia e Inglaterra. No período em que freqüentou a Universidade da Virgínia, aderiu ao jogo e álcool. Rompeu relações com seu tutor e no mesmo ano publicou, em Boston, seu primeiro livro de poesia, Tamerlane, and Other Poems (1827; Tamerlão e outros poemas), ao qual se seguiu Al Aaraaf, Tamerlane, and Minor Poems (1829; Al Aaraaf, Tamerlão e poemas menores).
Expulso da Academia Militar de West Point, decidiu dedicar-se por completo à literatura e começou a publicar contos em revistas. No livro Poems (1831), mostra da maturidade de seu gênio e publicado numa época de situação financeira precária, a evocação de um mundo ideal e visionário era realçada pelo ritmo hipnótico dos versos e pela força perturbadora das imagens. Fixou-se então em Baltimore com uma tia e, em 1833, recebeu um prêmio em dinheiro por seu Manuscript Found in a Bottle (Manuscrito encontrado em uma garrafa). Tornou-se editor literário do Southern Literary Messenger, de Richmond, em 1835, e no mesmo ano casou-se com a prima Virginia Clemm, de 13 anos de idade.
Despedido do emprego, ao que parece por seus problemas com a bebida, que o perturbariam pela vida afora, mudou-se para Nova York e passou os anos seguintes envolvido com a febril criação de suas obras, ao mesmo tempo em que trabalhava, em geral brevemente, em vários periódicos de Filadélfia e Nova York.

Em 1838 publicou uma novela de tema marinho, The Narrative of Arthur Gordon Pym.

Posteriormente, apareceram coletâneas de seus textos de ficção:

Tales of the Grotesque and Arabesque (1839; Contos do grotesco e arabesco),

The Prose Romances of Edgar A. Poe (1843; Romances em prosa de Edgar A. Poe)

e Tales (1845; Contos).

Em geral esses contos, como "The Fall of the House of Usher ("A queda da casa de Usher"), "The Cask of Amontillado" ("O barril de amontillado") ou "The Facts in the Case of M. Valdemar" ("A verdade no caso do sr. Valdemar"),

abordavam temas como a morte, o horror sobrenatural e os desvarios da mente humana, expressos numa linguagem a um só tempo precisa e alucinada, que refletia os tormentos do autor.

Poe, por outro lado, possuía grande capacidade analítica, e assim contos como "The Murders in the Rue Morgue" ("Os assassinatos da rua Morgue") assentaram as bases do gênero policial e de mistério que se difundiu no século XX.
Poe também deixou textos nos campos da estética, da crítica e teoria literária, como "Philosophy of Composition" (1845; "Filosofia da composição") e o "The Poetic Principle" (1850; "Princípio poético"), nos quais expôs sua concepção da elaboração racional do poema e o sentido estético da poesia. Entretanto, apesar da popularidade alcançada por Poe com The Raven and Other Poems (1845; O corvo e outros poemas), a aura de escândalo que o envolvia impediu que seu prestígio se consolidasse. Esquecido e incompreendido por seus compatriotas, foram os simbolistas franceses e, em particular, por Charles Baudelaire, que lhe reconheceram o gênio. O golpe representado pela morte da esposa, em 1847, aumentou ainda mais sua dependência do álcool. Após vários dias de excessos alcoólicos, Poe morreu em Baltimore, Maryland, em 7 de outubro de 1849.

Edgar Allan Poe nasceu em Boston, em 19 de janeiro de 1809.
Sua família paterna era de origem irlandesa, enraizada em Baltimore, onde conquistara postos entra as melhores famílias da região.
Seu avô, David Poe, tinha feito a Guerra da Independência.
Fora "Quartel-master-general" de Lafaiete, que lhe atribuiu mandatos importantes, dispensando-lhe estima e admiração.
O filho mais velho também se chamou David e se fez herdeiro dos espírito de aventura, que conduzia seu pai às trincheiras, sob o comando do general francês.

Apaixonando-se pela atriz inglesa Elizabeth Arnold, mulher de estonteante formosura,
David rompera todos os laços de família, casando-se e fazendo-se ator também para percorrer todas as cidades norte-americanas com sua "troupe".

A vida errante não lhe concedeu nunca os indispensáveis recursos de vida.

Breve o casal tinha dois filhos: Willian e Edgar.

Pouco mais tarde o nascimento de Rosalie comprometerá a saúde materna, já comprometida pelos sacrifícios da existência incerta um pouco vagabunda,
feita de imprevistos cruéis e de misérias implacáveis.

Com vinte e quatro anos apenas Elizabeth morre, então, deixando David enfermo. Tuberculoso e sem recursos imediatos, ele deveria acompanhá-la breve, deixando os três filhos em extrema penúria.

Mas os órfãos encontraram obrigo nas famílias de Richmond. Edgar fora adotado pelo rico casal John Allan e Frances Keeling Allan.

Edgar estudou na juventude na Inglaterra, no colégio Stoke-Newington, de Londres. Era um velho edifício sombrio e gótico. Mais tarde, de volta à Richmond, Poe continuaria seus estudos na Universidade de Charlotteville. Desde cedo, Poe se mostrara um rapaz extremamente inteligente e genioso, motivo esse que o levaria a ser expulso da Universidade. Edgar era filho da paixão sem disciplina e do espírito largo da aventura, explica Baudelaire, seu mais fiel entusiasta.

Edgar Allan Poe era um jovem aventureiro, romântico, orgulhoso e idealista. Aperfeiçoou seus estudos na Universidade de Virgínia, mas com não seguia os rígidos padrões da época, foi expulso da Universidade. Poe era um boêmio que se entregava à bebida, ao jogo e às mulheres. Homem de ação forte, também era um homem de devaneio.

Vivia no luxo e cultivava o amor vadio. Seguindo os passos romanescos de Byron, mais tarde Poe foi para a Grécia e alistou-se no exército lutando contra os turcos. Como todos os jovens da época, Poe sonhava com as glórias militares. Mas aventura acabou saindo muito caro. Perdido nos Bálcãs, sofrendo ônus terríveis no percurso, acaba chegando na Rússia sem documentos e sem dinheiro. Acaba sendo repatriado pelo cônsul americano, mas em seu retorno, descobre que sua mãe adotiva a quem devera tudo, havia morrido.

Na volta aos Estados Unidos, alista-se num Batalhão de Artilharia e mais tarde matricula-se na Academia Militar de West Point. Era conhecido pelos colegas como aquele que "Embarcou para Grécia num baleeiro". É lógico que o ritmo de uma escola para Cadetes do Exército não seria compatível ao gênio de Edgar. Ele se concentrava muito mais em seus poemas do que nos estudos.

Com o lançamento de uma Compilação de Poemas (1831), o orgulhoso Edgar Allan Poe abandona West Point e rompe relações com o pai adotivo (que se casara recentemente e deixara Poe muito contrariado).

Com 22 anos, poeta de ofício, sujeito a devaneios, pobre e sem vontade inflexível, consola-se publicando: "Poemas". De regresso a Baltimore, em busca de seu irmão Willian, assiste à morte deste e entra nas relações de uma tia, viúva com duas filhas, também pobre e sem arrimo seguro. Vivendo em miséria profunda, durante 2 anos Edgar consegue um pouco de triunfo ao vencer dois concursos de poesias. Com uma certa fama, o editor Thomaz White entrega para Poe a direção do "Southern Literary Messenger" em 1833. Pouco depois, escreveria seu primeiro conto: "Uma Aventura sem paralelo de um certo Hans Pfaal". Fica na direção da revista por 2 anos, depois de ter escrito outros vários contos, poemas e resenhas. Edgar Allan Poe já tinha uma certa reputação e um bom número de leitores.

Suas críticas tiveram grande repercussão e os jornais, abrindo-lhes as portas e as colunas de honra, decretando-lhe dias melhores. Com 27 anos, em 1836, ele casa-se com a prima de apenas 13 anos. Virgínia Clemn, eis a mulher ideal que o destino lhe destinara para lhe ser a única. A tia aceita o casamento desigual. Era sua esposa e musa. Virgínia gostava de música, canto e poesia; o que deixava Edgar muito entusiasmando. Em 1838 trabalha com Editor da Button's Gentleman Magazine. Na companhia da Sra. Clemn o casal vivera na Filadélfia, Nova York, Fordham, até que, de novo, a penúria lhe bate à porta. A vida de intimidade conjugal será prolongada pela dedicação da tia. Mas, as amarguras de Edgar Allan Poe não tinham limites. Virgínia, indo cantar na casa de amigos, sofrera um acidente causando-lhe uma forte hemorragia interna que a faz cair doente sem nunca mais voltar. Em 1847, morre deixado o marido nas entranhas do luto e da miséria espiritual.

Em 1849. Poe reage e publica o célebre poema "O Corvo" que o coloca novamente no alto da literatura americana. Edgar não abandona a tia. Esta constitui a lembrança viva de Virgínia. A Sra Helen Whitman, de Boston, dar-lhe-á estímulos e apoio. Enfermo, ele encontrara amigos e admiradores amigos e admiradores. Mas foi preciso lutar. O álcool reduzira-o de modo estranho. A caça ao dinheiro completara as impaciências, que o acabrunhavam. Seu "Romance Cosmogônico" "Eureka" acaba por lhe atribuir um renome literário enorme. Sua conduta provoca censuras, acres da imprensa e da sociedade; mas o poeta cumpria as sentenças do destino...

A exemplos de outros, resolve fazer "leituras" de seus poemas e contos para um público de jornalistas e intelectuais antes de publicá-los. Seus trabalhos lhe renderam mais honras e prestígio. O trabalho fica cada vez mais cansativo e Poe se entrega mais e mais à bebida. Poe volta a Richmore por uma temporada, mas acaba deixando-a por Nova York na expectativa de deixar seu passado lúgubre para trás. Chegando a Baltimore, suas conseqüências o abateram. Antes de de seguir para a Filadélfia resolve entrar em Taverna à caça de estimulantes. Aí encontram velhos amigos demorando-se mais do que pretende, vencido, mal percebendo o andar do tempo. Na manhã seguinte, os transeuntes encontram um homem agonizante, em abandono, na sarjeta. Pouco depois descobrem que aquele homem sem documentos e dinheiro era Edgar Allan Poe. Conduzido ao hospital, pouco resistiu, morrendo aos 39 anos apenas, deixando uma obra opulenta, escrita através de sacrifícios espantosos, de desordens implacáveis, de desconcertos incríveis.

EDGAR ALLAN POE

Criador de histórias extraordinárias

Eliane Robert Moraes

Vamos começar pelo final.

E, já que nosso tema é Edgar Allan Poe, vamos começar pelo mistério. A 27 de setembro de 1849, após jantar com alguns amigos em Richmond, Poe dirigiu-se ao cais da cidade. Por volta das quatro horas da madrugada, embarcou num navio para Baltimore e, ao que tudo indica, chegou a seu destino no dia seguinte. A viagem havia sido programada para ser bem rápida, pois ele estava de casamento marcado com a senhora Shelton, um antigo amor de juventude. Porém, de sua suposta chegada a Baltimore até o fatídico 7 de outubro, nada mais se pode afirmar com segurança.
Dizem alguns que ele teria seguido para a Filadélfia e de lá para Nova York, onde planejava buscar uma velha tia para assistir à cerimônia do casamento. Outros afirmam que ele permaneceu a semana inteira em Baltimore e, embriagado, caiu nas mãos de uma quadrilha de falsários, que lhe teriam oferecido algum licor com drogas que colaborasse numa fraude eleitoral. São meras hipóteses. A única coisa certa é que a 3 de outubro o dr.James E. Snodgrass, velho amigo de Poe em Baltimore, recebeu uma carta assinada por um tal Walker, que dizia: "Há um cavalheiro, um tanto descomposto nas vestimentas, na rua Ward Polls, dizendo atender pelo nome Edgar A.Poe, que parece estar muito atormentada e diz ter conhecimento com o senhor, e eu asseguro que ele precisa de assistência urgente".
Poe foi encontrado pelo amigo em estado de profundo desespero, largado numa taberna sórdida, de onde transportaram imediatamente para um hospital. Estava inconsciente e moribundo. Ali permaneceu, delirando e chamando repetidamente por um misterioso "Reynolds", até morrer, na manhã do domingo seguinte. Era 7 de outubro de 1849, e os Estados Unidos perdiam um de seus maiores escritores.
O que terá acontecido a Poe naqueles últimos dias de vida ? Por onde terá perambulado ? Teria sido vítima da doença que mais temia e que lhe causava tanta aflição nos outros, a loucura? Um ataque súbito? Ou motivado pela ingestão de álcool e drogas? Sabe-se que, meses antes de sua morte, ele havia voltado a beber e andava a vagar pelos becos da Filadélfia. Foi salvo da prisão e tirado das ruas por amigos fiéis, que o ajudaram a voltar para Richmond. Essa errância, contudo, não foi característica apenas desse período, mas marcou toda a sua vida. Pode-se mesmo dizer que Edgar Allan Poe foi um errante desde o seu nascimento em Boston, a 19 de janeiro de 1809.
Mais ainda: essa vida instável ele herdou de seus pais. David e Elizabeth Poe se conheceram no meio teatral, onde disputavam uma chance como atores. Casaram-se em 1806 e passaram a representar juntos, mas a carreira incerta e de pouco êxito dificultava o sustento dos filhos pequenos, William e Edgar. A situação agravou-se quando David abandonou a mulher doente e grávida da filha Rosalie, que nasceria em 1810. Elizabeth não resistiu à vida miserável que levavam e, abatida por uma doença fatal, morreu no ano seguinte.
Edgar, então com dois anos, foi obrigado por um próspero negociante escocês que, embora casado, não tinha filhos. Nos primeiros anos de convivência com o sr. e a sra. John Allan - sobrenome que viria a adotar - , o menino teve um ambiente feliz e agradável. Viagens, boas escolas e carinho familiar marcaram essa convivência até aproximadamente seus quinze anos. Mas, por volta de 1824, começaram os primeiros conflitos, motivados pela constante irritabilidade do tutor. Os problemas financeiros de Allan e a saúde precária da mulher foram os pretextos para os ataques contra Edgar, sempre ressaltando a situação de caridade do menino, que nunca fora oficialmente adotado. Clima tenso e difícil para um jovem poeta que sonhava com a carreira literária.

Entre o jornalismo e a literatura

Aos dezessete anos, Edgar matriculou-se na Universidade de Virgínia, onde, em pouco tempo, ficou conhecido por suas qualidades intelectuais e seu desempenho nos esportes. Mas não só por isso: nessa época, ele também descobriu a bebida e os jogos de azar, o que rapidamente resultou numa reputação duvidosa e em dívidas bem maiores do que poderia assumir. As relações com Allan se tornaram então mais tensas, obrigando Poe a deixar a universidade e a ausentar-se de casa constantemente, numa vida instável que se complicaria ainda mais com a morte da mãe de criação, em 1829. Allan morreu seis anos depois, excluindo Edgar de seu testamento.
Nada disso, contudo, parecia impedi-lo de escrever: mal completou vinte anos, publicou seu segundo livro de poemas; três anos mais tarde, ganhou o concurso de contos promovido pelo The Saturday Visitor, um jornal de Baltimore. "Manuscrito encontrado numa garrafa" foi seu primeiro êxito no mundo das letras, rendendo-lhe um cheque de cinqüenta dólares e um emprego no Southern Literary Messenger, periódico literário de Richmond. Ali trabalhou escrevendo todo tipo de texto, de poemas e resenhas de livros, de contos a notícias do mundo literário.
Em 1837, quando decidiu abandonar o emprego, a circulação do jornal aumentara de setecentos para três mil e quinhentos exemplares, fazendo do Messenger o periódico mais influente do Sul.
Esse desempenho notável iria repetir-se nos outros jornais onde trabalharia: tendo assumido a editoria do Graham`s Magazine da Filadélfia em 1840, em pouco mais de um ano as assinaturas saltaram de cinco mil para quarenta mil! Apesar disso, Poe fracassou nas tentativas de montar e editar um jornal próprio. Um sonho que acalentou durante toda a vida, sendo, em parte, responsável por suas inúmeras mudanças de emprego e endereço.
É verdade que a saúde frágil de sua mulher também contribuiu para essa inconstância. Edgar casou-se com a prima Virgínia Clemm em 1835. A menina, então com apenas treze anos, passou a acompanhá-lo pelas andanças à procura de melhores oportunidades, até que os primeiros sinais de tuberculose se manifestaram. Daí para a frente, a saúde de Virgínia piorou na mesma proporção que as dificuldades financeiras do casal, e a freqüência das hemorragias veio a exigir constantes mudanças da cidade para o campo. Faltavam recursos de todo o tipo para que ela pudesse tratar-se. O rigor do inverno, aliado à miséria da família, levou a sra. Poe à morte em 1847, deixando o marido desconsolado.

Suspense, terror e aventura

Certos fatos da vida de Poe, assim como o seu misterioso fim, parecem estabelecer um estranho nexo com sua obra. A morte, o medo e a dor sempre foram seus temas prediletos. Seus principais personagens são solitários, sensíveis, tristonhos e até beiram a loucura. Os cenários são os mais sombrios: cemitérios, subterrâneos, torres inacessíveis e navios fantasmas. Seus contos parecem concentrar uma força irracional e maligna à qual todo ser humano está condenado, como se o terror estivesse não só nos ambientes sinistros, mas dentro de cada um de nós.
Aficionado por esses temas, aos trinta anos já tinha publicado três livros de poemas, uma coletânea de vinte e cinco contos (entre eles obras-primas do terror como "A queda da Casa de Usher" e "Ligéia") e o romance de aventuras A narrativa de Arthur Gordon Pym. Foi nesse período que ele começou a se dedicar às histórias de raciocínio e dedução, escrevendo o famoso conto "Os crimes da rua Morgue"e outras narrativas policiais.

Estava fundando a moderna "novela de detetive".

Algumas dessas histórias têm como personagem principal o francês Auguste Dupin, um nobre falido e excêntrico cuja única diversão na vida é passar noites e noites elucubrando sobre assassinatos misteriosos. Graças a complicadíssimos raciocínios, ele consegue desvendar "crimes perfeitos", considerados insolúveis pelo comissário de polícia.
Tudo o que era misterioso atraía Edgar Allan Poe. Solucionar mistérios era, para ele, uma obsessão. Quando trabalhava no Graham`s Magazine, costumava desafiar os leitores a lhe enviarem criptogramas ( mensagens cifradas), que, por mais difíceis que fossem, jamais ficavam sem resolução. Nessa época, ele publicou "O escaravelho de ouro", história de mistério que gira em torno de um desses enigmas. O conto rendeu-lhe um prêmio de cem dólares e uma circulação de trezentos mil exemplares.
A partir daí, consolidou-se a fama de Poe como escritos de contos policiais e histórias arrepiantes. Alguns anos mais tarde, ele viria a ser reconhecido também como grande poeta: em 1845, a publicação do poema "O corvo" provocou furor no meio literário americano. Esse sucesso ecoou na Europa, encantando os franceses e merecendo especial atenção de Baudelaire. O poeta francês não poupou elogios ao americano: "Nenhum homem soube narrar com mais magia as exceções da vida humana e da própria natureza".
Contudo, a fama em nada facilitou a vida de Poe. Do ponto de vista financeiro, a literatura era péssimo negócio. Direitos autorais baixíssimos e ainda calculados sobre o preço desprezível dos livros. O escritor viveu sempre em condições muito precárias; com a morte de Virginia, parece que tudo se tornou ainda mais difícil. Sofreu um colapso físico e mental, passando a recorrer mais à bebida e, com certa freqüência, ao ópio. Meses após a publicação de seu décimo e último livro, Eureka, Poe chegou mesmo a tentar suicídio, ingerindo grande quantidade de láudano.
Se o envenenamento não o matou, teve conseqüências tristes, como um ataque de paralisia facial.
Segue-se a esses episódios uma fase extremamente atormentada, complicada por fracassos amorosos e profissionais. Quando enfim parecia ter encontrado um pouco de paz, ao voltar para Richmond e reatar com Sarah Shelton, acontecimentos nebulosos vieram desviá-lo do caminho. O resto da história já sabemos. Aos quarenta anos, morre Edgar Allan Poe, deixando-nos dezenas de histórias fantásticas e um único mistério sem solução


me leiam aki

quarta-feira, 18 de Julho de 2007.

Yan

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A minha família poética. II

W. H. Auden

Canção

Dizem que esta cidade tem dez milhões de almasUmas vivem em palácios, outras em mansardas;contudo não há lugar para nós, minha querida, não há lugar para nós.Uma vez tivemos uma pátria e julgávamos que era bela.Olha para o mapa e lá a encontrarás;mas não poderemos regressar tão cedo, minha querida, não podere-mos regressar tão cedo.O cônsul deu um murro na mesa e disse:se não têm passaportes estão oficialmente mortos;mas nós ainda estamos vivos, minha querida, ainda estamos vivos.Lá em baixo no adro um velho teixotodas as primaveras floresce de novo:e os velhos passaportes não florescem, minha querida, os velhospassaportes não florescem.Fui a um comissariado e ofereceram-me uma cadeira.disseram polidamente para voltar no ano seguinte:mas onde iremos agora, minha querida, onde iremos agora?Fui a um comício público; o orador levantou-se e disse:se os deixarmos cá dentro, roubar-nos-ão o pão de cada dia;estava a falar de mim e de ti, minha querida, a falar de mim e de ti.Ouves um ruído como um trovão roncando no céu?É Hitler sobre a Europa dizendo: «Eles têm de morrer!»Nós estávamos no Seu pensamento, minha querida, estávamos noSeu pensamento.Vi um cão de luxo de jaqueta apertada com um alfinetevi uma porta aberta e um gato entrando;mas não eram judeus alemães, minha querida, não ale-mães.Desci ao porto e parei no caisvi os peixes a nadar. Como são livres!a dez pés de distância, minha querida, só a dez pés distânciaPasseei pelo bosque; há pássaros nas árvores,não têm políticos e cantam livremente.Não são da raça humana, minha querida, não são da raça humanaSonhei que vira um edifício com mil andaresmil janelas e mil portas;nenhuma delas era nossa, minha querida, nenhumaCorri à estação para apanhar o expresso,pedi dois bilhetes para a Felicidade;mas todas as carruagens estavam cheias, minha querida, todas ascarruagens estavam cheias.Fui parar a uma grande planície, no meio da neve a cairdez mil soldados marchavam de um lado para o outroolhando para mim e para ti, minha querida, olhando para mim epara ti.

W. H. Auden(1907-1973) Reino Unido

Nietzsche

Ecce Homo

Sim, bem sei donde provenho:
Voraz como chama em lenho,
brilho e todo me consumo

.O que toco luz se faz,
Carvão quanto deixo atrás:
sim, que sou fogo presumo! Nietzsche
[Tradução de Jorge Vilhena Mesquita]

MIGUEL DE UNAMUNO

Virá de Noite...

Virá de noite quando tudo dorme,
virá de noite quando a alma informe
se embuça em vida,
virá de noite com seu passo quedo,
virá de noite e pousará seu dedo
sobre a ferida.
Virá de noite e seu fugace lume
volverá luz todo o fatal queixume;
virá na treva,
com seu rosário, soltará as contas
do negro sol, que dão cegueiras prontas,
e tudo as leva!
Virá de noite que é mãe, caridade,
quando no longe ladre a saudade
perdido agouro;
virá de noite; apagará seu prazo
mortal latido e deixará o ocaso
vazio de ouro...
Virá uma noite recolhida e vasta?
Virá uma noite maternal e casta
de lua plena?
E virá vindo num devir eterno;
virá uma noite, derradeiro inverno...
noite serena...
Virá como se foi, como se há ido
- ressoa ao longe o fatal latido -,
não faltará;
será de noite mais que quando aurora,
virá na hora, quando é o ar quem chora,
e chorará...
Virá de noite, numa noite clara,
noite de lua que ao sofrer ampara,
noite desnuda,
virá, virá... vir é porvir... passado
que passa e queda e que se queda ao lado
e nunca muda...
Virá de noite, quando o tempo aguarda,
quando uma tarde pelas trevas tarda
e espera o dia,
virá de noite, numa noite pura,
quando do sol o sangue se depura,
do meio-dia.
Noite há-de ser enquanto venha e chegue,
e o coração rendido se lhe entregue,
noite serena,
de noite há-de vir... quem há-de vê-lo?
De noite há-de selar seu negro selo,
noite sem pena.
Virá de noite, aquela que dá a vida,
e em que na noite ao fim a a alma olvida,
trará a cura;
virá na noite que nos cobre a todos
e espelha o céu nos reluzentes lodos
em que o depura.
Virá de noite, sim, virá no escuro,
seu negro selo servirá de muro
que encerra a alma;
virá de noite sem fazer ruído,
apagar-se-á nos longes o latido,
virá a calma...virá a noite...

MIGUEL DE UNAMUNO

RAINER MARIA RILKE

Hora grave

Quem chora agora em algum lugar do mundo,
sem razão chora no mundo,
chora por mim.
Quem ri agora em algum lugar da noite,
sem razão se ri na noite,
ri-se de mim.
Quem anda agora em algum lugar do mundo,
sem razão anda no mundo,
vem para mim.
Quem morre agora em algum lugar do mundo,
sem razão morre no mundo,
olha para mim.

RAINER MARIA RILKE
(Tradução de José Paulo Paes)

Antero de Quental

A um poeta

Tu, que dormes, espírito sereno,Posto à sombra dos cedros seculares,Como um levita à sombra dos altares,Longe da luta e do fragor terreno,
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,Afuguentou as larvas tumulares...Para surgir do seio desses mares,Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! é a grande voz das multidões!São teus irmãos, que se erguem! são canções...Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te pois, soldado do Futuro,E dos raios de luz do sonho puro,Sonhador, faze espada de combate!


Antero de Quental

Goethe

Quietude no oceano (Das Gedichte - Erst Band)

Um silêncio desceu, profundo, sobre as águas, E sem arfar sequer repousa o velho mar; Entanto o pescador, a ruminar as mágoas, Volve lasso, em redor, os olhos devagar. Não há nenhum rumor por mais subtil e brando, Não há no mar ou no ar vagas nem viração... — Só existe o silêncio imenso amotalhando A impassível aquosa e límpida amplião.

Goethe ( Tradução de Yan Ay )

Guerra Junqueiro

Oração ao pão

Com quantos grãos de trigo um pão se fez?Dez mil talvez?
Dez mil almas, dez mil calvários e agonias,Todos os dias,Para insuflar alentos n'alma impuraDuma só criatura!
Homem, levanta a Deus o coração,Ao ver o pão.
Ei-lo em cima da mesa do teu lar;Olha a mesa: um altar!
Ei-lo, o vigor dos braços teus,O pão de Deus!
Ei-lo, o sangue e a alegria,Que teu peito robora e teu crânio alumia!
Ei-lo a fraternidade,Ei-lo, a piedade,Ei-lo, a humildade,
Ei-lo a concórdia, a bem-aventurança,A paz em Deus, tranquila e mansa!
Comer é comungar. Ajoelha, orando,Em frente desse pão, ou duro ou brando.
Antes que o mordas, tigre carniceiro,Ergue-o na luz, beija-o primeiro!
Depois devora! O pão é corpo e almaEm corpo e almaO comerás,Tigre voraz.
São dez milalmas brancas, cor de Lua,Transmigrando divinas para a tua!

Guerra Junqueiro, "Vibrações Líricas",
Lello & Irmão editores, Porto, 1950

Ingeborg Bachman

TODOS OS DIAS

A guerra já não se declara,prossegue-se.O inauditotornou-se quotidiano. Os heróisficam longe dos combates. Os fracossão transferidos para as zonas de fogo.A farda do dia é a paciência,a medalha a pobre estrelada esperança sobre o coração.
Conferidaquando nada mais acontece,quando o tiroteio emudece,quando o inimigo se torna invisívele a eterna sombra das armasrecobre o céu.
Conferidapor deserção da bandeirapor coragem face ao amigo,por denúncia dos segredos infamese por desobediênciaa todas as ordens.
Ingeborg Bachman
traduzida por José Lima

Castro Alves

AS DUAS FLORES

São duas flores unidasSão duas rosas nascidasTalvez do mesmo arrebol,Vivendo,no mesmo galho,Da mesma gota de orvalho,Do mesmo raio de sol.
Unidas, bem como as penasdas duas asas pequenasDe um passarinho do céu...Como um casal de rolinhas,Como a tribo de andorinhasDa tarde no frouxo véu.
Unidas, bem como os prantos,Que em parelha descem tantosDas profundezas do olhar...Como o suspiro e o desgosto,Como as covinhas do rosto,Como as estrelas do mar.
Unidas... Ai quem puderaNuma eterna primaveraViver, qual vive esta flor.Juntar as rosas da vidaNa rama verde e florida,Na verde rama do amor!


Castro Alves

Mário Sá Carneiro

Fim


Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro

Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.
Mário Sá Carneiro

Titulo: Interrogações Autor: Yan Ayrton.

Do devir da infância

saltamos para a sofreguidão da Juventude

e dela adentramos

meio inadequados

a floresta de árvores interrogativas de ser adulto

e daí idoso.

\\

E nestas dimensões de ser

Há necessidades

das perguntas sem respostas,

,do azul desvairado

e não compreendido,

da palavra comunicada e não dita,

do se passar pela vida

sem ter compreendido ou podido ser,

da lágrima pendente

e nao chorada...

\\

Eu não fui que não

um conflitado inquieto

posto na solidão da umidade escura,

uma emoção sem espaço perdida no tempo,

a tristeza da branca lisa brisa

que distancia,enevoa e esconde o mar.

\\

(.................)

E anos se passaram não pasteurizados

Dificultados complexados e cinzas.

\\

E qdo compreendi que era necessário viver

meu olhar se tornou extenso

como o mundo

e eu senti a angústia inaudita dele

a consciencia do ser

a busca dos homens

,o mistério das coisas,

a opção dos caminhos....

\\

Bebi nas tavernas ardentes,

sorri até sorrisos sem dentes...

\\

Amei :Busquei nos sonhos

seres de ardentes faces, loiras fadas,

sereias míticas,seres semiangélicos

e venus morenas...

Ahh cantilenas em ânsias ciclicas

em nada serenas...

\\

Um dia encontrei a vida

inventada no azul

e trazida ate aqui

no fervilhar do Anima Deum na Terra

\\

singrando eras e eras

em evolver de evoluções

- tempo dilatado -q

ue tudo encerra :

em akásicos arquivos

no fluir e caminhar de mim..

\\

Nu nasci por entre sangue

o Tempo e a eternidade desse fluido

a grandeza e a miséria da materialidade

,a hediondez de ttas vidas sujas de sangue

em injustiças homéricas de plural clicotímica escravidão...

\\


Mas eu sonhei de que a vida era azul

E que um dia dormiríamos libertos e desprendidos

e que acordaríamos enfim

retornados à anjos

(....Ohh mistério misterium inauditum....!!!! )


Oxalá Quiçá Porventura

Que seja assim,

Em ventura e aventura

O acercar-se do Mistério Final. YAN Ayrton. BH <>

PS: Todos vcs amigos e amigas q me visitam e me convivem eu os estimo a todos e os tenho bem dentro de mim!!! Vcs todos signifikam muito...CADA UM DE VCS EH ESPECIAL E SINGULAR....Yan Ayrton ...

Yan Ayrton

ANTERO DE QUENTAL Poeta: 1842 - 1891
SÓ MALES SÃO REAIS, SÓ DOR EXISTE. PRAZERES, SÓ OS GERA A FANTASIA..

QUANDO TUDO ACONTECEU...

1842: Em Ponta Delgada, a 18 de Abril, nasce Antero Tarquínio de Quental.

A 2 de Maio é baptizado na Igreja Matriz de S. Sebastião de Ponta Delgada.

- 1847: Começa a aprender francês com António Feliciano de Castilho que vive nessa altura na capital açoriana. - 1852: Em Agosto vem com sua mãe para Lisboa, matriculando-se no Colégio do Pórtico, do qual Castilho é director. - 1853: Antero regressa a Ponta Delgada onde em 7 de Julho de 1855 concluirá a Instrução Primária. Em 20 de Outubro desse mesmo ano volta a Lisboa onde frequenta o colégio Escola Académica. - 1856: Inscreve-se como aluno interno no Colégio de S. Bento, em Coimbra. Escreve os primeiros versos que lhe são conhecidos numa carta enviada a seu irmão André. - 1858: Após algum tempo de estudo em Lisboa, com a ajuda de seu tio paterno Filipe de Quental, lente de Medicina, conclui os estudos preparatórios para o ingresso na Universidade de Coimbra, onde se matricula no 1º ano de Direito em 28 de Setembro, sendo admitido a 2 de Outubro. - 1859: Em Abril é condenado pelo Conselho de Decanos a oito dias de prisão por, com outros estudantes, ter tomado parte num acto praxístico - armado de um cacete e com o rosto coberto, «dando grau a caloiros e cortando-lhes o cabelo». Em 24 de Maio é aprovado no acto do 1º ano de Direito. Em Setembro matricula-se no 2º ano de Direito. - 1860: Mora no Largo da Sé Velha, ficando também por vezes em casa de seu tio Filipe de Quental, na Travessa da Couraça. Em Janeiro publica nos Prelúdios Literários «Na Sentida Morte do Meu Condiscípulo Martinho José Raposo». Em Janeiro, Fevereiro, Novembro e Dezembro, também nos Prelúdios, publica «Leituras Populares». Em Março, com Alberto Sampaio, Alberto Teles e outros, dirige o jornal O Académico - Publicação Mensal, Científica e Literária. - 1861: Em Abril participa na fundação da Sociedade do Raio, uma sociedade secreta que se caracteriza por lançar desafios blasfemos a Deus durante a ocorrência de trovoadas. Em O Fósforo, publica um artigo sobre João de Deus: «A Propósito de um Poeta». Em Outubro matricula-se no 4º ano. - 1862: Em 21 de Outubro saúda, em nome da Academia, o príncipe Humberto de Sabóia. - 1863: Em 22 de Julho faz exame e passa para o 5º ano. - 1864: Em 2 de Julho conclui o curso de Direito. 1866: Em Janeiro tenta alistar-se no exército de Garibaldi. - 1867: Em 19 de Agosto embarca para Ponta Delgada. - 1868: Em 31 de Outubro regressa a Lisboa. 1869: Em Julho embarca para os Estados Unidos. - 1871: Em 22 de Maio as Conferências são inauguradas. - 1874: Adoece gravemente em Ponta Delgada. - 1876: Em Maio desloca-se a Ponta Delgada, regressando em Julho a Lisboa. - 1877: No início de Julho faz uma viagem a Paris, onde consulta o Dr. Charcot. - 1878: Entre Fevereiro e Junho hospeda-se em casa de Oliveira Martins, no Porto. - 1880: Em fins de Maio, numa carta a Alberto Sampaio inclui o soneto «Estoicismo». - 1882: Em Maio escreve os sonetos «Na Mão de Deus» e «Evolução». - 1883: Em Maio escreve o soneto «Voz Interior». - 1884: No Palácio de Cristal, no Porto, encontra-se com Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, Oliveira Martins e Ramalho Ortigão. Tiram a fotografia do «grupo dos cinco». - 1885: Encontra-se Com Carolina Michaëlis. - 1886: Perto do fim do ano recebe a primeira carta de Wilhelm Storck com sonetos seus traduzidos para o alemão. - 1887: Em 8 de Maio desloca-se a Ponta Delgada. - 1888: Pensa candidatar-se a uma cadeira da projectada Escola Normal Superior. - 1889: Columbano pinta-lhe o retrato que se conserva no Museu do Chiado. - 1890: Em 11 de Janeiro - Ultimato inglês. - 1891: Jantar de despedida, oferecido pelos Vencidos da Vida no Tavares.

Em 5 de Junho parte para Ponta Delgada.

No dia 11 de Setembro compra um revólver e, às 20 horas, no lado norte do Campo de S. Francisco, suicida-se com dois tiros.

DE TUDO, O PIOR MAL É TER NASCIDO ( ANTERO DE QUENTAL )

É um dia húmido de Novembro. São Miguel está, como quase sempre, sob uma espessa camada de nuvens. Azorian torpor é como os ingleses chamam a esta atmosfera opressiva, obsidiante, que não só atormenta o corpo como parece infiltrar-se e assediar a mente. Na baixa de Ponta Delgada, ao lado da Tabacaria Açoriana, fica a loja de quinquilharias de Benjamim Ferin. Antero entra na loja e cumprimenta o empregado. Está calmo, tranquilo. Pergunta se tem revólveres à venda. O empregado olha-o surpreendido. Antero, sorri:
- Sabe, vou morar para um local longe de vizinhança. Com os ratoneiros que andam por aí, é bom estar prevenido.
- Sem dúvida, senhor doutor. É mais prudente estar prevenido.
E vai buscar as armas que tem para venda. Antero analisa-as uma a uma. Acaba por optar por um revólver Lefaucheux. O empregado ensina-o a carregá-lo.
- Nunca peguei numa arma de fogo...
O homem dá-lhe mais algumas explicações. Quando vai a retirar as balas do tambor, Antero diz-lhe:
- Não, não. Deixe-o assim, já pronto.
O homem obedece, mas avisa de que convém nunca esquecer que a arma está carregada, pronta a disparar. Às vezes há acidentes...
- Esteja descansado. Vou ter todo o cuidado.
Enquanto embrulha o revólver com sucessivas camadas de papel, o empregado pergunta:
- Ouvi contar que o senhor doutor ia para Lisboa?
- Pensei nisso, mas desisti, pois ultimamente tenho passado melhor.
- Ainda bem, senhor doutor. Ainda bem.
Antero tira da algibeira algumas libras que põe sobre o balcão:
- Faça o favor de se pagar. Eu nunca me habituei a fazer dedução de moeda fraca.
Antero sai. Os homens que estão à porta, saúdam-no respeitosamente.
Vai a casa de seu primo, Augusto de Arruda Quental. Quando entra coloca o embrulho sobre uma mesa e, por cima, põe o chapéu. Conversa tranquilamente com o primo. Falam de banalidades. O tempo, a política, coisas da família. Quando Antero se ergue para sair, o primo dá-lhe o chapéu e faz depois menção de lhe entregar também o embrulho. Antero quase grita:
- Não lhe pegues!
Despedem-se.
Metendo pela Rua de S. Brás, encaminha-se a passos lentos para o Campo de São Francisco, uma ampla praça pública de Ponta Delgada. Aí, senta-se num banco, junto do muro do convento da Esperança.. Nesse muro, por cima do banco, um dístico em pedra lavrada mostra a palavra esperança sobreposta a uma âncora. Antero sorri. Esperança e uma âncora que o segurem à vida, eis precisamente o que lhe falta. Olha o largo, com as suas árvores, com as suas simétricas placas redondas de relva, circundando o pequeno coreto implantado no centro. Há pouca gente. Uma senhora passa perto levando pelas mãos duas crianças. À memória ocorre-lhe a imagem de um menino passeando ali, pela mão de seu pai, muitos anos atrás. De tudo, o pior mal é ter nascido, pensa.

A REVELAÇÃO DE UM MUNDO NOVO E SUPERIOR

Nasci nesta ilha de São Miguel descendente de uma das mais antigas famílias dos seus colonizadores, dirá Antero numa carta autobiográfica. Seu pai, Fernando de Quental foi um dos 7500 liberais que, em 1832, desembarcaram no Mindelo, a norte do Porto e contribuíram para implantar o regime constitucional. O avô paterno, André da Ponte Quental da Câmara e Sousa, destacara-se também pelas suas convicções liberais. Fora amigo de Bocage e com ele partilhara o cárcere. Militara depois na guerrilha contra os invasores franceses. Será, em 1822, signatário da Constituição, como deputado por São Miguel. A mãe de Antero, Ana Guilhermina da Maia, deu-lhe uma educação muito religiosa que irá contribuir para as suas reflexões místicas, mesmo depois de abandonar a religião. Aliás, uma das suas primeiras emoções intelectuais ocorre quando, em 1852, ouve ler a «Ode a Deus», de Alexandre Herculano:
Teria os meus dez anos, quando pela primeira vez, a ouvi recitar a um bom padre, que me ensinava rudimentos de gramática latina. Não ouso dizer que tivesse entendido. E, no entanto, profunda foi a impressão que recebi, como a revelação dum mundo novo e superior, a revelação do ideal religioso. Escapava-me o sentido de muitos conceitos, a significação de muitas palavras: mas, pelo tom geral de sublimidade, pela tensão constante de um sentimento grande e simples, aqueles versos revolviam-me, traziam-se lágrimas aos olhos, como se me introduzissem, embalado numa onda de poderosa harmonia, na região das coisas transcendentes...[i]
Em 1847 aprende francês com António Feliciano de Castilho, o poeta cego, figura de proa do romantismo, que, entre esse ano e 1850, reside em Ponta Delgada, provocando uma autêntica revolução cultural entre a sociedade da cidade. L'Ami des Enfants, de Bergier, é o livro de leitura de Antero. Em 1849, compra A Felicidade pela Agricultura, de Castilho, um dos primeiros livros da sua biblioteca. Frequenta o Liceu Açoriano, uma escola particular. Em 1850, recebe lições de inglês com Mr. Rendall. Em Agosto de 1852 vem para Lisboa com sua mãe onde frequenta o Colégio do Pórtico, de que é director o seu já conhecido Castilho. Mais tarde, escreverá ao seu velho mestre: V.Ex.a. aturou-me em tempos no seu Colégio do Pórtico, tinha eu ainda dez anos, e confesso que devo à sua muita paciência o pouco francês que ainda hoje sei. [ii] No ano seguinte, regressa a Ponta Delgada com seu pai e ali, em 1855, concluirá os estudos primários no Liceu da cidade. Em Outubro, de novo em Lisboa, estuda na Escola Académica. Em 1856, é aluno interno no Colégio de S. Bento, em Coimbra, junto aos arcos do Jardim Botânico. Até 1858, concluirá os estudos preparatórios para o ingresso na Universidade de Coimbra. Escreve os primeiros versos. Em Setembro matricula-se no primeiro ano do curso de Direito.

COIMBRA: A REVOLUÇÃO INTELECTUAL E MORAL

O facto mais importante da minha vida durante aqueles anos, e provavelmente o mais decisivo dela, foi a espécie de revolução intelectual e moral que em mim se deu, ao sair, pobre criança arrancada ao viver quase patriarcal de uma província remota e imersa no seu plácido sono histórico, para o meio da irrespeitosa agitação intelectual de um centro, onde mais ou menos vinham repercutir-se as encontradas correntes do espírito moderno. Varrida num instante toda a minha educação católica e tradicional, caí num estado de dúvida e incerteza, tanto mais pungentes quanto, espírito naturalmente religioso, tinha nascido para crer placidamente e obedecer sem esforço a uma regra reconhecida. Achei-me sem direcção, estado terrível de espírito, partilhado mais ou menos por quase todos os da minha geração, a primeira em Portugal que saiu decididamente e conscientemente da velha estrada da tradição. Se a isto se juntar a imaginação ardente, com que em excesso me dotara a natureza, o acordar das paixões amorosas próprias da primeira mocidade, a turbulência e a petulância, os fogachos e os abatimentos de um temperamento meridional, muito boa fé e boa vontade, mas muita falta de paciência e método, ficará feito o quadro das qualidades com que, aos dezoito anos penetrei no grande mundo do pensamento e da poesia.
Antero não é um estudante brilhante, mas vai avançando no seu curso, que terminará no ano lectivo de 1863-64. Entretanto, irá conhecendo os irmãos José e Alberto Sampaio, António de Azevedo, Germano Meireles, cuja amizade o acompanhará toda a vida. É deste período que datam os poemas que irá reunir em Primaveras Românticas, «Versos dos vinte anos», como lhes chamará em subtítulo:
Somente amor... Somente?! é pouco esta palavra?Duas sílabas só - em pouco um mundo está – Loucos! mas, quando o amor se expande, e cresce, e lavra, Bem como incêndio a arder, tão pouco inda será?
Em Maio de 1862, recita no Teatro Académico, perante Castilho, as estrofes «À História» com que iniciará a 1ª edição das Odes Modernas. Castilho diz a Filipe de Quental, lente de Medicina e tio de Antero: «Seu sobrinho é um poeta de génio».
Finalmente, em 2 de Julho de 1864, conclui a formatura: A Fatalidade que me persegue com tenacidade verdadeiramente paternal, não me quis poupar - não quis deixar sem coroa este templo de sandice e ridículo chamado formatura; não lhe tremeu a mão adunca e férrea escrevendo no livro-caixa do Fado esta sibilina palavra BACHAREL!!! E sou Bacharel!!! E Bacharel nemine-discrepante!! E não houve um R justiceiro, um R honesto e conscencioso que protestasse, levantando no ar com terrível assovio, o seu rabo de serpente, não houve R - um só - que protestasse contra essa sentença fatal, que assim condena um inocente cábula a arrastar perpetuamente, qual rocha de sísifo, essa grilheta de uma carta de Bacharel em Direito!! Nemine-Discrepante!!!
Sabeis vós o que é um nemine discrepante? É trocar a sua coroa de poeta, pelo círculo de sebo da borla doutoral dum Neiva! É ler no horizonte da vida, em vez do poema de oiro das aspirações embalsamadas, a letra gorda e enchundeada duma sempiterna Sebenal!! É escambar (!) a púrpura brilhante das aspirações sublimes, pela albarda, vermelha da vermelhidão das digestões felizes, o capelo de Doutor! É ter por alma um sofisma, por vida um à-contrário-sensu, por templo santo a audiência, por culto a Deus e tudo a Ordenação do Reino!! Este trecho duma meditação que actualmente componho em estilo Oriente, e em que trabalho debaixo da salutar influência da sombra do Neiva, vos dará ideia do estado moral do vosso Antero (o BacharelEm 1865, depois de uma viagem a São Miguel, Antero regressa a Coimbra. Em Setembro desse ano, Castilho escreve ao editor António Maria Pereira uma carta, que será publicada como posfácio do Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas. Nela, o velho poeta discute poemas de Antero de Quental, Teófilo Braga e Vieira de Castro, ironizando particularmente sobre as Odes Modernas e sobre dois poemas de Epopeia da Humanidade, de Teófilo Braga. Antero resolve descer à liça e contestar ao seu velho mestre o direito de se arvorar em árbitro das letras nacionais - faz publicar uma carta-aberta a Castilho, Bom-senso e Bom-gosto, onde, exaltadamente, se insurge contra o desdém de Castilho relativamente à nova geração de poetas. E desencadeia-se a que é talvez a mais famosa polémica literária portuguesa, conhecida por Questão Coimbrã ou Questão do Bom Senso e Bom Gosto: A famosa Questão Literária ou Questão de Coimbra, que durante mais de seis meses agitou o nosso pequeno mundo literário e foi o ponto de partida da actual evolução da literatura portuguesa. Os novos datam todos de então. O Hegelianismo dos coimbrões fez explosão. O velho Castilho, o Arcade póstumo, como então lhe chamara, viu a geração nova insurgir-se contra a sua chefatura anacrónica. Houve em tudo isto muita irreverência e muito excesso, mas é certo que Castilho, artista primoroso mas totalmente destituído de ideia, não podia presidir, como pretendia, a uma geração ardente que surgia, e antes de tudo aspirava a uma nova direcção, a orientar-se como depois se disse, nas correntes do espírito da época. Havia na mocidade uma grande fermentação intelectual, confusa, desordenada, mas fecunda. Castilho, que a não compreendia, julgou poder suprimi-la com processos de velho pedagogo. [iv]
Em Dezembro, Antero publica ainda um folheto sobre o mesmo tema, A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, texto doutrinariamente mais denso do que a carta, e no qual responsabiliza a literatura pelo destino do povo português.
É neste conturbado período que pensa alistar-se no exército de Garibaldi. Desafia o seu amigo António de Azevedo Castelo-Branco: Tens naturalmente lido os jornais. Sabes do que vai por Itália e dos alistamentos de voluntários Garibaldinos. Creio ser para nós uma boa ocasião de sairmos do absurdo sopa-vaca e arroz da vida ordinária. Queres ir? Un bel morir tutta la vita onora... [v]
No início de 1866, Ramalho Ortigão sai em defesa de Castilho com o folheto A Literatura de Hoje. Acusa Antero de cobardia, pois este invocara como argumentos a velhice e a cegueira do poeta: O caso era cómico e não trágico. Ramalho Ortigão escreveu insolências bastante indignas a meu respeito num folheto a propósito da sempiterna questão Castilho. Eu vim ao Porto para lhe dar porrada. Encontrei, porém, o Camilo o qual me disse que adivinhava o motivo da viagem e que antes das vias de facto, ele iria falar com o homem para ele dar satisfação. Aceitei. A explicação, porém, do dito homem pareceu-me insuficiente e dispunha-me a correr as eventualidades da bofetada quando me veio dizer o Camilo que o homem se louvava em C.J.Vieira e Antero Albano com plenos poderes de decidir a coisa e que fizesse eu o mesmo em dois amigos meus; na certeza de que uns e outros seriam considerados padrinhos de um duelo (!) no caso de se não entenderem a bem... Que can-can! [vi] No duelo, em 4 de Fevereiro, logo no primeiro assalto, Antero fere Ramalho num braço. A luta termina, as honras estão lavadas. Os dois escritores reconciliam-se. Diz Camilo: Em 1866 na belicosa cidade do Porto, defrontaram-se de espada nua dois escritores portugueses de muitas excelências literárias e grande pundonor. Correu algum sangue. Deu-se por entretida a curiosidade pública e satisfeita a honra convencional dos combatentes. Alguns dias volvidos ia eu de passeio na estrada de Braga e levava comigo a honrosa companhia de um cavalheiro que lustra entre os mais grados das províncias do Norte. No sítio da Mãe-de-Água apontei a direcção de um plano encoberto pelos pinhais e disse ao meu companheiro: Foi ali que há dias a «Crítica Portuguesa» esgrimiu com o «Ideal Alemão»! [vii]

DESASSOSSEGO
No mês seguinte, em 15 de Março, embarca no vapor Leal para São Miguel. Está inquieto: Estou efectivamente desassossegado e muito; mas como não estar? Cada vez mais o falso da minha posição nesta terra lusitana. Não me entendo com os homens e com as coisas; apenas com o céu e com os montes, mas isto não é suficiente. [viii] Para onde irei? Ignoro; talvez daqui até lá, indague dum emprego para a Índia, para Goa ou Macau, países onde a vida moderna não deve ostentar-se em muito excessivo luxo de seu vermelho sangue burguês e gordura de banalidade, como acontece nesta Europa soesmente comodista, esta Cartago sem Moloch - mas com muitos mercenários. [ix] Tenho pena de não ter achado aqui o silêncio e a despreocupação que esperava e ansiava... Se eu tivesse achado um ermitério de S. Columbano, uma ilha - no mar - ah! mas bem no mar! Assim o julguei e desejo ainda. [x]
Em 1 de Junho regressa a Lisboa. Vai residir na Travessa de Santo António, à Alegria. Nesse Verão, resolve ir trabalhar como tipógrafo para a Imprensa Nacional: Há oito dias que entrei para a Imprensa Nacional e como me sinto cada vez mais resolvido a continuar neste caminho (que, quando não tivesse mais razões por si, tinha esta triunfante de ser único).[xi]
Mas, afinal, havia outros caminhos. Antero resolve ir fazer uma «experiência proletária» em Paris. A experiência esgota-se em Janeiro e Fevereiro de 1867. Matricula-se no Colégio de França. Mas em breve se satura de Paris: Se pudesse saía amanhã mesmo de Paris. Que me importa a Exposição? Assistir às grandes loucuras do século, faz bem a alguém, enche a vida? Não! Antes de ontem saí no meio de um curso no Colégio de França. [xii]
O seu estado de saúde obriga-o a vir a Portugal descansar durante três meses. No final da Primavera volta a Paris. Visita Michelet a quem oferece um exemplar das Odes Modernas.
Regressa a Portugal e, em 14 de Agosto, embarca no lugre Gil para Ponta Delgada. Na Primavera acalenta mais um projecto guerreiro: A vida activa também me seduz a mim, e muito. É mesmo nesse sentido que pude formar o único plano resistente e que dura há meses já. Por ser extravagante nem por isso deixa de ser óptimo. É ir assentar praça de voluntário nos Zuavos Pontifícios, em Roma. (...) Que humorismo profundo em todos os contrastes de uma tal vida! Ateus a manterem guarda ao Vaticano! Socialistas a defenderem o poder temporal do Papa! [xiii]
Permanece em São Miguel até Outubro. Quando regressa a Lisboa, triunfa em Espanha a revolução. É contactado por revolucionários espanhóis que o aliciam para a causa do iberismo. Projecta ir trabalhar num jornal em Madrid. Em Novembro publica: Portugal Perante a Revolução de Espanha - Considerações sobre o Futuro da Política Portuguesa no Ponto de Vista da Democracia Ibérica. Em Julho de 1869 faz uma viagem aos Estados Unidos no barco de um amigo. A confederação federalista entusiasma-o, como possível modelo para a confederação iberista. Visita Halifax e Nova Iorque, onde estuda as questões sociais relacionadas com o proletariado norte-americano. Regressa em Novembro. Essa viagem é descrita por António Arroio no folheto A Viagem de Antero do Quental à América do Norte.

SE EM PORTUGAL HOUVESSE OITO OU DEZ OLIVEIRA MARTINS...

Em Novembro de 1869, na Travessa do Guarda-Mor, em Lisboa, constitui-se o Cenáculo, grupo de intelectuais de que fazem parte, além de Antero, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Anselmo de Andrade, Carlos Mayer, João de Deus, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga, Santos Valente, Alberto Teles, Lobo de Moura, Augusto Fuschini, Mariano e Francisco Machado de Faria e Maia, António e Augusto Machado, José Tedeschi, etc. Está agora a residir em S. Pedro de Alcântara. Uma paixão amorosa frustrada, leva-o a procurar fora da capital alguma tranquilidade. É numa das suas deambulações que visita, em Outubro, Oliveira Martins, que está como engenheiro de minas em Santa Eufemia, em Espanha. O encontro com o autor de História da Civilização Ibérica, provoca-lhe uma profunda impressão: Se Portugal de hoje, assim como produziu um homem daqueles, tivesse produzido oito ou dez, ainda se salvava. Verdade é que, se Portugal, nesta geração, tivesse tido forças para produzir oito ou dez homens como Oliveira Martins, não precisava de quem o salvasse, porque esse facto só por si era o indício da força e fecundidade de espírito nacional, da sua vitalidade e saúde perfeita.[xiv]
Estuda alemão até conseguir ler na língua original Goethe, Heine e outros autores germânicos: Traduzo o Fausto de Goethe, do alemão para versos portugueses, coisa que muito me distrai.[xv] Mas o tédio e o desassossego, a doença, não o abandonam. No começo de 1871 escreve a um amigo de São Miguel: De plano em plano, e de desejo em desejo, vou descendo lentamente a espiral dos desenganos.

AS CONFERÊNCIAS DO CASINO

Em 1871, a 22 de Maio, são abertas as Conferências do Casino, que o grupo do Cenáculo, orientado por Antero, promovem. Anima-as um substracto republicano, iberista, realista, proudhoniano. Realizam-se no Casino Lisbonense e Antero pronuncia a conferência e uma outra, no dia 27: Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos. Eça de Queirós desenvolve o tema O Realismo como Nova Expressão de Arte. Salomão Sáragga, especialista em hebraísmo, quando se preparava para proferir a sua lição sobre Os Historiadores Críticos de Jesus, o governo manda, em 26 de Junho, encerrar as Conferências, alegando que constituem uma ofensa à religião e às instituições do Estado. Os protestos irrompem de diversos sectores. Antero escreve e publica, em 30 de Junho, ao presidente do Conselho de Ministros: A Portaria com que V.Ex.a. mandou fechar a sala das Conferências Democráticas, é um acto não só contrário à lei e ao espírito da época, mas sobretudo atentório da liberdade do pensamento, da liberdade da palavra, e da palavra de reunião, isto é, daqueles sagrados direitos sem os quais não há sociedade humana, verdadeira sociedade humana, no sentido ideal, justo, eterno da palavra. Pode haver sem eles aglomeração de corpos inertes: não há associação de consciências livres. Ex.mo. Sr.: nem eu nem V.Ex.a. passaremos à história: e muito menos as ineptas portarias que V.Ex.a. faz assinar a um rei sonâmbulo. Mas supondo por um momento que alguma destas coisas possa passar ao século XX, folgo de deixar aos vindouros com este escrito a certeza duma coisa: que em 1871 houve em Portugal um ministro que fez uma acção má e tola, e um homem que teve a franqueza caridosa de lho dizer. [xvi]
Inclusivamente, Alexandre Herculano, liberal católico, com a sua inquestionável autoridade, vem associar-se aos protestos. O governo cai.
Em Fevereiro de 1872, publica Primaveras Românticas: As Primaveras Românticas contêm os meus Juvenilia, as poesias de amor e fantasia, compostas na sua quase totalidade, entre 1860 e 65, que andavam dispersas por várias publicações periódicas e que só em 72 reuni em volume juntamente com mais alguma coisa do mesmo carácter e estilo. Mora agora na Rua dos Douradores. Em 7 de Março de 1873 morre seu pai e Antero torna-se proprietário rural. Mantém, com Oliveira Martins, uma polémica sobre o papel progressivo que o Cristianismo e a Idade Média terão tido como transição transcendalista necessária entre o «naturalismo» helénico e o seu ideal imanentista. Projecta a constituição de um novo partido, a União Democrática: Assentámos pois em nos constituirmos como partido fechado, com programa definido e gente escolhida, reservando-nos a liberdade de, em dados casos, nos aliarmos com este ou com aquele dos partidos republicanos e radical que estão em vias de formação. (...) O que é necessário é criar um elemento revolucionário sério, fora do exclusivo movimento operário, estreito, sem capacidade de converter ninguém, além de ser assustador para a massa burguesa. [xvii]

A bela luz da vida, ampla infinita, só vê com tédio, em tudo quanto fita, a ilusão e o vazio universais

Faz diversas viagens aos Açores. Em Julho vai a Angra do Heroísmo para consultar um médico homeopata. Em Setembro regressa a Lisboa e consulta dois médicos: Sousa Martins e Curry Cabral. Diz numa carta a um amigo: Em 1874 adoeci gravissimamente, com uma doença nervosa de que nunca mais pude restabelecer-me completamente. A forçada inacção, a perspectiva da morte vizinha, a ruína de muitos projectos ambiciosos e uma certa acuidade de sentimentos, própria da nevrose, puseram-me novamente e mais imperiosamente do que nunca, em face do grande problema da existência. A minha antiga vida pareceu-me vã e a existência em geral incompreensível.
No entanto, vai trabalhando nos seus sonetos. Em Maio de 1875, publica a 2ª edição de Odes Modernas, com algumas composições inéditas. Em 1876, toma contacto com a filosofia pessimista do inconsciente panteísta de Karl-Robert-Eduard von Hartmann, que muito o irá influenciar. Depois de aspirar ao Nirvana budista, procura uma consolação através da filosofia estóica: Abençoada doença se fizer de mim o homem impassível dos Estóicos, o santo de Marco Aurélio. Não digo isto brincando, e para mim, o livro das Máximas de Epicteto é um dos livros mais sérios que têm sido escritos. (...) A Fé não é só património do cristão; há também a Fé da Filosofia idealista, que pelos menos é tão boa. [xviii]
Em 28 de Novembro, sua mãe morre: Acabo de receber um dos maiores golpes que podia receber. Morreu minha Mãe. V. sabe o que é ser filósofo, mas sabe também o que é ser filho. Diga-me duas palavras das suas, fortes e boas. Eu sei o que há a dizer a mim mesmo, mas far-me-á bem que mo diga V. Eu estou muito sereno e conformado e aplicando à minha situação os dogmas da nossa comum religião. Mas isto não impede que esteja triste. [xix]
Em 1877, vai a Paris consultar Charcot e tenta uma cura hidroterápica em Bellevue. Aqui, apaixona-se por uma aristocrata francesa. O fracasso amoroso quase o leva ao suicídio. No ano seguinte tenta uma nova cura em Bellevue, mas sem sucesso. Em Fevereiro de 1878, envia a Batalha Reis o seu soneto «Nirvana», que dedicará a Guerra Junqueiro:
Para além do Universo luminoso Cheio de formas, de rumor, de lida, De forças, de desejos e de vida, Abre-se como um vácuo tenebroso. A onda desse mar tumultuoso Vem ali expirar, esmaecida... Numa imobilidade indefinida Termina aí o ser, inerte, ocioso... E quando o pensamento, assim absorto, Emerge a custo desse mundo morto E torna a olhar as coisas naturais, A bela luz da vida, ampla, infinita, Só vê com tédio, em tudo quanto fita, A ilusão e o vazio universais.
Em 1878 é convidado a candidatar-se como deputado republicano socialista pelo círculo de Alcântara. Recusa: Saberás que vim encontrar aqui a minha candidatura pelo círculo de Alcântara, lançada por uns centros republicanos que não sei bem o que são. Hoje vieram uns oficiosos falar-me nisso: declarei recusar tal candidatura e ameacei-os com uma recusa pública nos jornais se insistirem. Eis o que é a popularidade! Estou mais do que farto de representar este ridículo papel de mito e il faut que ça finisse. [xx]
A doença não o abandona. Volta a consultar Sousa Martins: Eu vou indo, não já tão bem como quando cheguei, mas não inteiramente mal. O Sousa Martins ouviu-me, apalpou-me e concluiu que nada podia concluir e que isto lhe parecia mais complicado do que julgara a princípio. [xxi]

O CENTENÁRIO DE CAMÕES

"O nosso Antero ressurgiu para a vida activa através da filosofia" - diz Eça de Queirós. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a
Tábua Cronológica.

Em 1880 instala-se em Lisboa e adopta as duas filhas do seu amigo íntimo, Germano Meireles, que falecera em Dezembro de 1877. Albertina e Beatriz e a mãe passam a viver com Antero. Instala-se na Calçada de Santa Ana: Fui tão feliz que ontem mesmo achei casa que me convém e a aluguei. É aqui mesmo ao lado da minha irmã, um 3º andar claro e bem arejado. Agora vou tratar de o montar, como aqui se diz, o que ainda levará algum tempo, porque eu faço tudo lentamente e tenho de comprar, a bem dizer, tudo.[xxii]
Preparam-se as comemorações do 3º Centenário da morte de Camões. Antero escreve um violento artigo contra o aproveitamento político da efeméride («Centenários e Centenaristas»). Depois destrói-o. Mas, em cartas, comenta: Esquecia-me dizer-lhe que a grande comissão dos literatos, depois de grave meditar, resolveu celebrar o centenário com uma procissão! Isto é curioso, até no ponto de vista biológico, porque mostra o poder do atavismo. Aos netos dos frades que lhes há-de lembrar senão procissões? A ideia, dizem, partiu do Ramalho, que a apresentou naturalmente como toda moderna e positiva. Notável caso de «regressão morfológica!» O Ramalho, cuidando ir adiante do século, reproduz simplesmente o avô, que era da Ordem dos Terceiros! [xxiii]
A burguesia portuguesa pode por ostentação, levantar uma estátua a Luís de Camões, mas o povo português, esse não sabe soletrar o título do poema que o poeta consagrou às suas glórias .[xxiv]
No primeiro trimestre de 1881, publica-se no Porto uma colectânea com 28 sonetos de Antero, coligidos por Joaquim de Araújo: A edição dos Sonetos pareceu-nos muito bem e o melhor possível. Elegante e fina sem pretensão. Digo nós, porque esta foi também a opinião do João a quem mandei um exemplar. [xxv]
Em Setembro desse ano vai, com as suas pupilas, viver para Vila do Conde: Fixei actualmente a minha residência em Vila do Conde, terrazinha antiga, plácida e campestre, muito ao sabor dos meus humores de solitário. Vivo aqui como um verdadeiro ermita. [xxvi]
Eu aqui consigo fazer uma coisa rara, prodigiosa: dormir. Faço-o como se fosse a coisa mais natural deste mundo! Veja se não hei-de considerar esta terra, além de maravilhosa, salvadora. [xxvii]
«Chegando ao Porto», diz Eça de Queirós, «e correndo com Oliveira Martins a Vila do Conde, avistei na estação um Antero gordo, róseo, reflorido, com as lapelas do casaco de alpaca atiradas para trás galhardamente, e meneando na mão a grossa bengala da Índia que em Lisboa eu lhe dera para amparar a tristeza e a fadiga.» [xxviii]
Aliás, os quase dez anos que Antero irá viver em Vila do Conde, com pequenos intervalos nos Açores e em Lisboa, serão talvez os mais plácidos ou, se se preferir, os menos atormentados da sua vida: Aqui as praias são amplas e belas, e por elas me passeio ou me estendo ao sol com a voluptuosidade que só conhecem os poetas e os lagartos adoradores da luz. [xxix]
Em Agosto de 1882, escreve a sua irmã: Vai vagar a Comarca da Póvoa do Varzim, e o Lobo de Moura pretende ser para ali transferido. Imagina como vai ser bom para mim ficarmos assim vizinhos. Com o Lobo de Moura na Póvoa, o Oliveira Martins no Porto e o Alberto Sampaio em Famalicão, fico literalmente rodeado de amigos. [xxx]
Em 1884, confidencia a Joaquim de Araújo: A minha vida ocorre sem incidentes, quer internos, quer externos. Tenho envelhecido voluntariamente, o que é uma grande coisa. V. fala-me de desilusões. Doa-se, como é natural, mas não as maldiga. As desilusões são a sabedoria que vem ter connosco disfarçada em carrasco. Mais tarde é que se conhece isso. [xxxi]
Em 1885, apoia a adesão de Oliveira Martins ao Partido Progressista (monárquico). Em Março escreve os seus dois últimos sonetos, «Com a Morte» e «O Que Diz a Morte».
Em meados do ano, a mãe das suas protegidas morre, e Antero interna-as no Colégio das Doroteias, no Porto.
Em 1886 são publicados os Sonetos Completos, coligidos e prefaciados por Oliveira Martins. Antero evolui agora de mais uma fase pessimista para um misticismo que explica no folheto «A Filosofia da Natureza» dos Naturalistas: Entro agora numa fase nova, e tenho jurado consagrar-me daqui em diante, todo e exclusivamente, ao trabalho de coordenação definitiva das minhas ideias filosóficas e, se tanto puder, à exposição metódica e rigorosa das mesmas. [xxxii]
Em Março de 1887, vai novamente aos Açores: Tive um certo prazer em tornar a ver a minha terra, ainda que não sei porquê, e talvez só por instinto, pois deve haver uma relação profunda entre o homem e a terra em que nasceu e se criou. [xxxiii] (...) Tem-me agradado esta terra e foi até com certo prazer que ontem me achei a passear no campo de S. Francisco. [xxxiv] É durante esta breve estada que tira, no fotógrafo Raposo, da Rua da Esperança, em Ponta Delgada a sua fotografia preferida: Aí te envio um exemplar da única boa fotografia que tenho... Preferiria não andar gravado nos papéis. Mas, uma vez que já não o posso evitar, aí vai ao menos uma efígie autêntica. [xxxv] Em Outubro regressa a Vila do Conde. É publicada a tradução alemã dos Sonetos.
Em 1889, Columbano Bordalo Pinheiro pinta-lhe o retrato que faz parte da colecção do Museu do Chiado. Diz Columbano: «...Estou a vê-lo com os seus olhos muito azuis e as barbas loiras. Vestia bem, sem afectação e sobriamente... Era calmo, delicado, afável, nenhuma tragédia transparecia na sua maneira quase alegre». Diz Antero: Está muito bem como pintura, mas idealizado, como todas as composições desse pintor neo-vellazquiano, no sentido do fantástico e do tenebroso. [xxxvi]
Começa a escrever o texto filosófico destinado à Revista de Portugal, dirigida por Eça de Queirós: Para mostrar o meu afecto ao nosso Queirós, comecei a escrever com destino à Revista, um artigo sobre as tendências gerais da filosofia na actualidade, coisa sumária; mas o assunto apossou-se de mim, passou a ser quase outra coisa o trabalho, e no fim de três meses acho-me tendo produzido um estudo, que na Revista dará três ou quatro artigos, e que depois, ampliado, será um livro. [xxxvii] Sobre o assunto, diz Eça de Queirós: «Como sabes, o nosso Antero ressurgiu para a vida activa, através da filosofia. Temos dele um primeiro artigo neste número da Revista - que sairá, não sei quando, mas ainda neste século. É extraordinário. Está todo o original na imprensa desde o fim do mês passado!» [xxxviii]
Em 1890, em face da violenta reacção nacional ao humilhante Ultimato inglês de 11 de Janeiro, Antero aceita a presidência da Liga Patriótica do Norte, com existência efémera: Declamar contra a Inglaterra é fácil, emendarmos os gravíssimos defeitos da nossa vida nacional será mais difícil, mas só essa desforra será honrosa, só ela salvadora. Portugal ou se reformará política, intelectual e moralmente ou deixará de existir. Mas a reforma, para ser fecunda, deve partir de dentro e do mais fundo do nosso ser colectivo: deve ser antes de tudo, uma reforma dos sentimentos e dos costumes. [xxxix]
Em princípios de Maio de 1891, deixa Vila do Conde e vem instalar-se na casa de sua irmã Ana de Quental, em Lisboa. Os Vencidos da Vida oferecem-lhe um jantar de despedida no restaurante Tavares. A 5 de Junho, no vapor Açor, parte para Ponta Delgada, hospedando-se no Hotel Brown, alugando depois uma casa no lugar de S. Gonçalo, nos arredores de Ponta Delgada: Encontrei mais cedo do que supunha casa que me convém, estou-a arranjando e espero dentro de um mês ter tudo pronto para receber a minha gentinha. Minha irmã, a quem receitam ares pátrios, acompanha as pequenas e passará aqui dois ou três meses. É pois, como vê, oiro sobre azul. [xl]
Mas no fim de Agosto já diz: Começo a acreditar que não andei bem avisado em vir estabelecer-me em São Miguel. [xli]
É que a sua antiga doença tem vindo a agravar-se. Para piorar as coisas, tem uma desinteligência com sua irmã por causa das pupilas. No auge da discussão com Ana de Quental, Antero exclama: Isto ainda acaba com uma corda na garganta ou uma bala na cabeça! No dia 10 de Novembro vai entregar as duas jovens a uma família a quem confia a sua educação. As despedidas deixam-no vivamente emocionado, transtornado mesmo. No dia seguinte, é um dia húmido de Novembro. São Miguel está, como quase sempre, sob uma espessa camada de nuvens...

DESCANSA-SE!... SE NO TÉDIO DOLOROSO DE NÓS MESMOS ENCONTRAMOS A FORÇA PARA NOS SUMIRMOS

Ao som de dois tiros, acorrem militares do quartel de Caçadores 11. Caído de lado sobre o banco, com o rosto ensanguentado Antero agoniza. O Dr. Jacinto Júlio de Sousa, cirurgião-mor do regimento e o Dr. Mont'Alverne de Sequeira, reputado médico da cidade, chegam logo após. No hospital, situado ali mesmo na praça, tentam tudo para o salvar, mas após uma hora de horrorosa agonia que finaliza pelo derramamento cerebral, Antero morre. Descansa-se!... se no tédio doloroso de nós mesmos encontramos a força para nos sumirmos, diz Antero a Oliveira Martins e a Vasconcelos Abreu, poucos dias antes de partir de Lisboa para Ponta Delgada. No seu doloroso tédio, Antero de Quental encontra a força e o alento para fugir, para se sumir, para descansar enfim.

O QUE DIZ A MORTE

«Deixai-os vir a mim, os que lidaram;Deixai-os vir a mim, os que padecem;E os que cheios de mágoa e tédio encaramAs próprias obras vãs, de que escarnecem...
Em mim, os Sofrimentos que não saram,Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.As torrentes da Dor, que nunca param,Como num mar, em mim desaparecem.» -
Assim a Morte diz. Verbo velado,Silencioso intérprete sagradoDas coisas invisíveis, muda e fria,É, na sua mudez, mais retumbanteQue o clamoroso mar; mais rutilante, Na sua noite, do que a luz do dia.
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[i] Prefácio ao Tesouro Poético da Infância.
[ii] Bom-senso e Bom-gosto, 1865, Carta ao Excelentíssimo Senhor António Feliciano de Castilho.
[iii] Carta a José e Alberto Sampaio, 1863.
[iv] Carta autobiográfica de Antero.
[v] Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, Dezembro de 1865.
[vi] Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, Janeiro de 1866.
[vii] Camilo Castelo Branco, in A Doida do Candal.
[viii] Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, Fevereiro de 1866.
[ix] Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, 13 de Março de 1866.
[x] Carta a Germano Meireles, maio de 1866.
[xi] Carta a António de Azevedo Castelo-Branco, Junho de 1866.
[xii] Carta a Alberto Sampaio, finais de Dezembro de 1866.
[xiii] Carta a Alberto Sampaio, Ponta Delgada, Verão de 1868.
[xiv] Carta a Carlos Cirino Machado, 15 de Dezembro de 1881.
[xv] Carta a Francisco Machado de Faria e Maia, princípios de 1871.
[xvi] Carta ao Marquês de Ávila e Bolama.
[xvii] Carta Oliveira Martins, inícios de 1873.
[xviii] Carta a Germano Meireles, finais de 1875.
[xix] Carta a Oliveira Martins, 28 de Novembro de 1876.
[xx] Carta a Alberto Sampaio, 10 de Outubro de 1878.
[xxi] Carta a Oliveira Martins, 17 de Outubro de 1878.
[xxii] Carta a Alberto Sampaio, Dezembro de 1879.
[xxiii] Carta a Oliveira Martins, Primavera de 1880.
[xxiv] in Portugal Perante a Revolução de Espanha, 1868.
[xxv] Carta a Joaquim de Araújo, 1881.
[xxvi] Carta a João Machado de Faria e Maia, Janeiro de 1882.
[xxvii] Carta a Jaime Batalha reis, finais de 1881.
[xxviii] Eça de Queirós, in Um Génio que era um Santo.
[xxix] Carta a João de Deus, 13 de Janeiro de 1882.
[xxx] Carta a Ana de Quental, 3 de Agosto de 1882.
[xxxi] Carta a Joaquim de Araújo, 11 de Outubro de 1884.
[xxxii] Carta a Carolina Michaëlis, 7 de Junho de 1886.
[xxxiii] Carta a Oliveira Martins, 15 de Março de 1887.
[xxxiv] Carta a Ana de Quental, 12 de Março de 1887.
[xxxv] Carta a Alberto Teles, Maio de 1890.
[xxxvi] Carta a Alberto Bessa, 8 de Maio de 1890.
[xxxvii] Carta a Oliveira Martins, finais de 1889.
[xxxviii] Carta de Eça de Queirós a Oliveira Martins, 28 de Janeiro de 1890.
[xxxix] in «Expiação», A Província, 26 de Janeiro de 1890.
[xl] Carta a Gustavo Barbosa, 30 de Junho de 1891.[xli] Carta a Joaquim de Araújo, 30 de Agosto de 1891.

Olavo Bilac

In Extremis

Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia Assim! De um sol assim! Tu, desgrenhada e fria, Fria! Postos nos meus os teus olhos molhados, E apertando nos teus os meus dedos gelados... E um dia assim! De um sol assim! E assim a esfera Toda azul, no esplendor do fim da primavera! Asas, tontas de luz, cortando o firmamento! Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo... E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! E este medo! Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte, A arredar-me de ti, cada vez mais a morte... Eu com o frio a crescer no coração, — tão cheio De ti, até no horror do verdadeiro anseio! Tu, vendo retorcer-se amarguradamente, A boca que beijava a tua boca ardente, A boca que foi tua! E eu morrendo! E eu morrendo, Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo Tão bela palpitar nos teus olhos, querida, A delícia da vida! A delícia da vida!

Olavo Bilac

Casimiro de Abreu

MEUS OITO ANOS

Oh! que saudades que tenhoDa aurora da minha vida,Da minha infância queridaQue os anos não trazem mais!Que amor, que sonhos, que flores,Naquelas tardes fagueirasÀ sombra das bananeiras,Debaixo dos laranjais!Como são belos os diasDo despontar da existência!- Respira a alma inocênciaComo perfumes a flor;O mar é - lago sereno,O céu - um manto azulado,O mundo - um sonho dourado,A vida - um hino d'amor!Que auroras, que sol, que vida,Que noites de melodiaNaquela doce alegria,Naquele ingênuo folgar!O céu bordado d'estrelas,A terra de aromas cheia,As ondas beijando a areiaE a lua beijando o mar!Oh! dias da minha infância!Oh! meu céu de primavera!Que doce a vida não eraNessa risonha manhã!Em vez das mágoas de agora,Eu tinha nessas delíciasDe minha mãe as caríciasE beijos de minha irmã!Livre filho das montanhas,Eu ia bem satisfeito,Da camisa aberto o peito,- Pés descalços, braços nus -Correndo pelas campinasÀ roda das cachoeiras,Atrás das asas ligeirasDas borboletas azuis!Naqueles tempos ditososIa colher as pitangas,Trepava a tirar as mangas,Brincava à beira do mar;Rezava às Ave-Marias,Achava o céu sempre lindo,Adormecia sorrindoE despertava a cantar!Oh! que saudades que tenhoDa aurora da minha vidaDa minha infância queridaQue os anos não trazem mais!- Que amor, que sonhos, que flores,Naquelas tardes fagueirasÀ sombra das bananeiras,Debaixo dos laranjais!
Casimiro de Abreu (Rio de Janeiro, 1839 -1860)